segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

NA IGREJA CRISTO SE REVELA A TODOS OS POVOS



SOLENIDADE EPFANIA DO SENHOR


Is 60,1-6; Sl 71 (72); Ef 3,2-3a.5-6; Ev – Mt 2,1-12

A liturgia deste domingo celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projeto libertador que o Pai nos queria oferecer, essa “luz” encarnou na nossa história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação, da vida definitiva.
A primeira leitura anuncia a chegada da luz salvadora de Jahwéh, que transfigurará Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo.

No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os “magos” do oriente, representantes de todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem exceção.

A segunda leitura apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a comunidade de Jesus. 
1ª Leitura Is 60,1-6

Inspirado, sem dúvida, pelo sol nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz à cidade transfigurar-se pela manhã (e brilhar no meio das montanhas que a rodeiam), o profeta sonha com uma Jerusalém muito diferente daquela que os retornados do Exílio conhecem; essa nova Jerusalém levantar-se-á quando chegar à luz salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Nesse dia, Jerusalém vai atrair os olhares de todos os que esperam a salvação. Como consequência, a cidade será abundantemente repovoada (com o regresso de muitos “filhos” e “filhas” que, até agora, assustados pelas condições de pobreza e de instabilidade ainda não se decidiram a regressar); além disso, povos de toda a terra – atraídos pela promessa do encontro com a salvação de Deus – convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente incenso, para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.

Sl 71 (72)

2ª Leitura Ef 3,2-3a.5-6

A Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado “o mistério”. É esse “mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor… Paulo insiste que, em Cristo, chegou à salvação definitiva para os homens; e essa salvação não se destina exclusivamente aos judeus, mas destina-se a todos os povos da terra, sem exceção. Paulo é, por chamamento divino, o arauto desta novidade… Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o grande arauto da “boa nova” de Jesus entre os pagãos…

Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único “corpo” (o “corpo de Cristo” ou Igreja), partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus” e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf. Gn 12,3) – promessa cuja realização Cristo levou a cabo.

ALELUIA – Mt 2,2

Aleluia. Aleluia.

Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorar o Senhor.

EVANGELHO – Mt 2,1-12

A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.

Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mi 5,1. 3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para o reconhecerem como o Messias libertador.

Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela “especial” que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronômicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram a procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa, pois Mateus não está a narrar fato históricos. Segundo a crença popular da época, o nascimento de uma personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o Messias como à estrela que surge de Jacob (cf. Nm 24,17). Ora, é com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da catequese, vai inventar a “estrela”. Mateus está, sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era esse Messias esperado.

Temos ainda as figuras dos “magos”. A palavra grega “magos”, usada por Mateus, abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.

Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os “magos” do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.

Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de pagão-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.

MÃE DE DEUS, MÃE DO HOMEM



SOLENIDADE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS


Num 6,22-27; Sl 66 (67); Gal 4,4-7; Ev  Lc 2,16-21

Neste dia, a liturgia coloca-nos diante de evocações diversas, ainda que todas importantes.
Celebra-se, em primeiro lugar, a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: somos convidados a contemplar a figura de Maria, aquela mulher que, com o seu “sim” ao projeto de Deus, nos ofereceu Jesus, o nosso libertador.

Celebra-se, em segundo lugar, o Dia Mundial da Paz: em 1968, o Papa Paulo VI propôs aos homens de boa vontade que, neste dia, se rezasse pela paz no mundo.
Celebra-se, finalmente, o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse Deus que nos ama, que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.

As leituras que hoje nos são propostas exploram, portanto, estas diversas coordenadas. Elas evocam esta multiplicidade de temas e de celebrações.

Na primeira leitura, sublinha-se a dimensão da presença contínua de Deus na nossa caminhada e recorda-se que a sua bênção nos proporciona a vida em plenitude.
Na segunda leitura, a liturgia evoca, outra vez, o amor de Deus, que enviou o seu Filho ao encontro dos homens para os libertar da escravidão da Lei e para os tornar seus “filhos”. É nessa situação privilegiada de “filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-lhe “abbá” (“papá”).

O Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador de Deus (que se tornou realidade plena no nosso mundo através de Jesus) provoca alegria e felicidade naqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os marginalizados. Convida-nos também a louvar a Deus pelo seu amor e a testemunhar o desígnio libertador de Deus no meio dos homens.

Maria, a mulher que proporcionou o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível aos Project os de Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.

1ª Leitura – Num 6,22-27
• Em primeiro lugar, somos convidados a tomar consciência da generosidade do nosso Deus, que nunca nos abandona, mas que continua a sua tarefa criadora derramando sobre nós, continuamente, a vida em plenitude.
• É de Deus que tudo recebemos: vida, saúde, força, amor e àquelas mil e uma pequeninas coisas que enchem a nossa vida e que nos dão instantes plenos. Tendo consciência dessa presença contínua de Deus ao nosso lado, do seu amor e do seu cuidado, somos gratos por isso? No nosso diálogo com Ele, sentimos a necessidade de O louvar e de Lhe agradecer por tudo o que Ele nos oferece? Agradecemos todos os dons que Ele derramou sobre nós no ano que acaba de terminar?
• É preciso ter consciência de que a “bênção” de Deus não cai do céu como uma chuva mágica que nos molha, quer queiramos, quer não (magia e Deus não combinam); mas a vida de Deus, derramada sobre nós continuamente, tem de ser acolhida com amor e gratidão e, depois, transformada em gestos concretos de amor e de paz. É preciso que o nosso coração diga “sim”, para que a vida de Deus nos atinja e nos transforme.
Salmo 66 (67)
Refrão: Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção.
2ª Leitura – Gal 4,4-7
• A experiência cristã é fundamentalmente uma experiência de encontro com um Deus que é “abbá” – isto é, que é um “papá” muito próximo, com quem nos identificamos, a quem amamos, a quem nos entregamos e em quem confiamos plenamente. É esta proximidade libertadora e confiante que temos com o nosso Deus?
• A nossa experiência cristã leva-nos a sentirmo-nos “filhos” amados, ou ao cumprimento de regras e de obrigações? Na Igreja não se põe, às vezes, a ênfase em cumprir leis e ritos externos, esquecendo o essencial – a experiência de “filhos” livres e amados de Deus?
• A importante constatação de que somos “filhos” de Deus leva-nos a uma descoberta fundamental: estamos unidos a todos os outros homens – “filhos” de Deus como nós – por laços fraternos. É a mesma vida de Deus que circula em todos nós… O que é que esta constatação implica, em termos concretos? A que é que ela nos obriga? Faz algum sentido marginalizar alguém por causa da sua raça ou estatuto social? Aquilo que acontece aos outros – de bom e de mau – não nos diz respeito?
ALELUIA – Heb 1,1-2
Aleluia. Aleluia.
Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas.
Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por seu Filho.
EVANGELHO – Lc 2,16-21
• No Evangelho que nos é, hoje, proposto, fica claro o fio condutor da história da salvação: Deus ama-nos, quer a nossa plena felicidade e, por isso, tem um projeto de salvação para levar-nos a superar a nossa fragilidade e debilidade; e esse projeto foi-nos apresentado na pessoa, nas palavras e nos gestos de Jesus. Temos consciência de que a verdadeira libertação está na proposta que Deus nos apresentou em Jesus e não nas ideologias, ou no poder do dinheiro, ou na posição que ocupamos na escala social? Porque é que tantos dos nossos irmãos vivem afogados no desespero e na frustração? Porque é que tanta gente procura “salvar-se” em programas de televisão que lhes dê uns minutos de fama, ou num consumismo alienante? Não será porque não fomos capazes de lhes apresentar a proposta libertadora de Jesus?

• Diante da “boa nova” da libertação, reagimos – como os pastores – com o louvor e a ação de graças? Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelo seu amor e pelo seu empenho em nos libertar da escravidão?

• Os pastores, após terem tomado contacto com o projeto libertador de Deus, fizeram-se “testemunhas” desse projeto. Sentimos também o imperativo do testemunho? Temos consciência de que a experiência da libertação é para ser passada aos nossos irmãos que ainda a desconhecem?

• Maria “conservava todas estas palavras e meditava-as no seu coração”. Quer dizer: ela era capaz de perceber os sinais do Deus libertador no acontecer da vida. Temos, como ela, a sensibilidade de estar atentos à vida e de perceber a presença – discreta, mas significativa, atuante e transformadora – de Deus, nos acontecimentos mais ou menos banais do nosso dia a dia?

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A MORADA DE DEUS ENTRE OS POVOS



SAGRADA FAMILIA

Eclo 3,26.12.14; SI 127; CI 3,12-21; Lc 2,22-40
A Festa da Sagrada Família, no ciclo do Natal, desloca a exclusividade do lugar do culto e da presença de Deus do templo, compartilhando-o também com o ambiente familiar. Onde residem o amor, o diálogo e o respeito mútuo, Deus se faz presente. Dessa forma, a vivência do amor em família representa o culto vivencial a Deus que concretiza o mistério celebrado nos ritos.
Família na reciprocidade e respeito
O texto do Eclesiástico se detém na relação entre pais e filhos. Embora para muitos a imagem da família com esposo, esposa e filhos seja ultrapassada, o texto sagrado tem como pano de fundo que a família nasce da relação de amor, o qual abre a experiência da relação homem- -mulher para a acolhida da vida. Sem o princípio do amor torna-se impossível pensar um conceito de família.
Muitas vezes lido a partir da submissão da mulher e dos filhos ao pai, o texto do Eclesiástico acaba sendo mal-interpretado. O primeiro nível do relacionamento entre os pares na família é a reciprocidade. Essa é a razão pela qual o autor sagrado vê os(as) filhos(as) como bênção de Deus. A dignidade e autoafirmação dos filhos nascem numa relação de igualdade e complementaridade, que expressa o amor entre seus pais. Essa é a relação que Deus abençoa e que é celebrada como sacramento.
O texto fala mais das atitudes dos filhos em relação aos pais. Compreende que, para ser lugar da presença de Deus, o lar não se estrutura em cima de capacidades, mas sobre o substrato do amor-acolhida a cada um, segundo seu perfil e dignidade. Quando se olha -a família sob essa perspectiva, o cuidado e o carinho entre seus membros não se limitam aos momentos felizes, mas se estendem também aos momentos difíceis e de necessidade. As feridas que os relacionamentos po-dem produzir serão curadas pelo perdão, e a maldade, pela bondade e beleza do conviver, do reconciliar. Nesse sentido, quando se vive o amor, não há distância entre o culto a Deus, celebrado no templo, e o culto vivencial, vivido como experiência de comunhão na família.
A salvação se concretiza
A apresentação de Jesus no templo e os ritos de purificação de sua mãe estão associados à estrutura do culto do templo. As figuras de Simeão e Ana simbolizam a antiga aliança, que cumpriu sua missão e agora cede lugar à nova que será instaurada por Jesus. O texto deixa a impressão de que Maria e José assistem às reações ante o Menino de uma maneira passiva, como se as atitudes de Simeão e Ana retomassem toda a esperança alimentada ao longo da história do povo de Israel. Eles são idosos, o que poderia sugerir desânimo. Todavia, eles são tomados da alegria da fé e veem em Jesus cumprir-se a salvação esperada.
O fato de serem idosos traz duas implicações importantes. São maduros suficientes para adquirir aquela sabedoria que os leva a relativizar as aparências e a perceber o essencial. Por isso, enxergam; em Jesus o cumprimento das promessas de salvação. Também por esse fato eles adquirem aquela liberdade de espíritoque os torna capazes de, na humildade, retirarem-se e ceder lugar ao novo. Nesse sentido os dois protagonizam a passagem para a nova aliança, que, em jesus, retoma e aperfeiçoa em plenitude à primeira.
O texto parece atingir seu apice no retorno dos três para Nazare É no calor- do lar, ambiente discreto e até meio escondido, que viverão a experiência do novo. Deus estará presente no seio dessa família humilde. Ali será o novo templo, onde o menino crescerá na sabedoria e - graça necessárias para sua missão.
Partindo-se desse pressuposto, a família de Nazaré torna-se mais referencial às famílias por sua vivência do amor e da fé do que propriamente por sua composição (estrutura). Há uma profunda interação entre seus membros Maria e Jose, como pais que amam verdadeiramente o filho, comunicam os valores humanos a Jesus e, este, por sua natureza (divina), faz Deus chegar até eles. Por essa razão, a nova aliança em Jesus universaliza o culto e a presença de Deus, partindo do templo para a família (pessoas) e da família para o templo. Em Jesus toda a nossa vida e história serão assumidas por Deus.
A nova morada de Deus
A celebração da Sagrada Familia reforça que o lugar onde se acolhe e sustenta a vida torna presente o amor de Deus Por essa razão a defesa da famiha esta estreitamente vinculada a defesa da vida e da dignidade humana A experiência cristã não parte do principio da condenação aos erros ou mesmo da estrutura familiar, mas dos valores a serem cultivados em família. A vivência da fé não se restringe ao âmbito dos templos e comunidades. Deus extrapola sempre nõssas medidas, porque quer habitar em nossos corações. Assim, viver o amor em família torna o ambiente familiar lugar do culto vivencial, porque o amor será sempre a have para que Deus venha habitar em nossos corações, em nossas vidas.
A festa de hoje, no espírito do Natal, associa o tema da família à vivência da fé. Quando se retoma o tema da familia e do matrimônio, depara-se sempre com as criticas das diferentes ideologias Na maior parte das vezes,fala-se do machismo e, por conseguinte, que o modelo da família tradicional reforça a submissão da mulher e a discriminação das minorias. Todavia, a dimensão da complementaridade da relação mulher-homem, que encontramos nos relatos bíblicos, não se pauta na perspectiva da dominação de um sobre o outro. Tudo o que é verdadeiramente humano, segundo a visão bíblica, nasce numa relação de igualdade, complementaridade e solidariedade fundamental entre homem e mulher.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

UM MENINO NASCEU PARA NÓS



NATAL DO SENHOR (NOITE)

Is 9,1-3.5-6; SI 95; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14
A liturgia desta noite fala-nos de um Deus que ama os homens; por isso, não os deixa perdidos e abandonados a percorrer caminhos de sofrimento e de morte, mas envia “um menino” para lhes apresentar uma proposta de vida e de liberdade. Esse menino será “a luz” para o povo que andava nas trevas.

A primeira leitura anuncia a chegada de “um menino”, da descendência de David, dom de Deus ao seu Povo; esse “menino” eliminará a guerra, o ódio, o sofrimento e inaugurará uma era de alegria, de felicidade e de paz sem fim.

O Evangelho apresenta a realização da promessa profética: Jesus, o “menino de Belém”, é o Deus que vem ao encontro dos homens para lhes oferecer – sobretudo aos pobres e marginalizados – a salvação. A proposta que Ele traz não será uma proposta que Deus quer impor pela força; mas será uma proposta que Deus oferece ao homem com ternura e amor.
A segunda leitura lembra-nos as razões pelas quais devemos viver uma vida cristã autêntica e comprometida: porque Deus nos ama verdadeiramente; porque este mundo não é a nossa morada permanente e os valores deste mundo são passageiros; porque, comprometidos e identificados com Cristo, devemos realizar as obras d’Ele.

1ª Leitura Is 9,1-3.5-6;

Para descrever a situação de opressão, de frustração, de desespero, de falta de perspectivas, de desconfiança em relação ao futuro em que a comunidade nacional estava mergulhada, o profeta fala de um “povo que andava nas trevas” e que habitava “nas sombras da morte”. O panorama é sombrio e parece não haver saída, pois os reis de Judá já provaram ser incapazes de conduzir o seu Povo em direção à felicidade e à paz.
Mas, de repente, aparece uma “luz”. Essa luz acende a esperança e provoca uma explosão de alegria. Para descrever essa alegria, o profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.

Mas por que essa alegria e essa felicidade? Porque o jugo da opressão que pesava sobre o Povo foi quebrado e a paz deixou de ser uma miragem para se tornar uma realidade. No quadro que representa a vitória da paz, vemos os símbolos da guerra (o pesado calçado dos guerreiros e as roupas ensangüentadas) a serem destruídos pelo fogo. Quem é que provocou a alegria do Povo, derrotou a opressão, venceu a guerra, restaurou a paz? O autor não o diz claramente; mas ninguém duvida que tudo isso é ação do Deus libertador.

Como foi que Deus instaurou essa nova ordem? Foi através de “um menino”, enviado para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça (as palavras “mishpat” e “zedaqa”, utilizadas neste contexto, evocam uma sociedade onde as decisões dos tribunais fundamentam uma Rita ordem social, onde os direitos dos pobres e dos oprimidos são respeitados e onde, enfim, há paz). O quádruplo nome desse “menino” evoca títulos de Deus ou qualidades divinas (o título “conselheiro maravilhoso” celebra a capacidade de conceber desígnios prodigiosos e é um atributo de Deus – cf. Is 25,1; 28,29; o título “Deus forte” é um nome do próprio Jahwéh – cf. Dt 10,17; Jr 32,18; Sl 24,8; o título “príncipe da paz” leva também a Jahwéh aquele que é “a paz” – cf. Is 11,6-9; Mi 5,4; Zac 9,10; Sl 72,3. 7). Quanto ao título “Pai eterno”, é um título do rei – cf. 1 Sm 24,12 – e é um título dado ao faraó nas cartas de Tell el-Amarna). Fica, assim, claro que esse “menino” é um dom de Deus ao seu Povo e que, com Ele, Deus residirá no meio do seu Povo, oferecendo-lhe cada dia a justiça, o direito, a paz sem fim.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 95 (96)

Refrão: Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

2ª Leitura Tt 2,11-14

Neste fragmento, verdadeiro centro e coração de toda a carta, o autor tenta dar aos cristãos razões válidas para viver uma vida cristã autêntica e comprometida. Quais são essas razões?

A primeira é o amor (“kharis”) de Deus, que foi oferecido a todos os homens. É esse amor que possibilita a renúncia à impiedade e aos desejos deste mundo e a vivência da temperança, da justiça e da piedade; sendo os destinatários desse amor transformador e renovador, temos de viver uma vida nova e comprometida com o Evangelho.
A segunda é a esperança na manifestação gloriosa de Cristo, que convida os homens a perceber que a terra não é a sua pátria definitiva; quem espera a segunda vinda de Cristo, percebe que só faz sentido olhar para os bens essenciais; conseqüentemente, desprezará os bens materiais, que só interessam a este mundo.

A terceira é a obra redentora levada a cabo por Cristo. Cristo entregou-Se totalmente, até a morte, para nos salvar do egoísmo, do orgulho, do pecado e para fazer de nós homens novos. Ligados a Ele pelo batismo, tornamo-nos um com Ele e recebemos vida d’Ele… Se estamos ligados a Cristo e se recebemos d’Ele vida, essa vida tem de manifestar-se na nossa existência diária.

ALELUIA – Lc 2,10-11

Aleluia. Aleluia.

Anuncio-vos uma grande alegria:

Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

EVANGELHO – Lc 2,1-14

A primeira indicação importante vem da referência a Belém como o lugar do nascimento de Jesus… É uma indicação mais teológica do que geográfica: o objetivo do autor é sugerir que este Jesus é o Messias, da descendência de David (a família de David era natural de Belém), anunciado pelos profetas (cf. Miq 5,1). Fica, desta forma, claro que o nascimento de Jesus se integra no plano de salvação que Deus tem para os homens – plano que os profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.

Uma segunda indicação importante resulta do “quadro” do nascimento. Lucas descreve com algum pormenor a pobreza e a simplicidade que rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de lugar na hospedaria, a manjedoura dos animais a fazer de berço, os panos improvisados que envolvem o bebê, a visita dos pastores… É na pobreza, na simplicidade, na fragilidade, que Deus se manifesta aos homens e lhes oferece a salvação. Os esquemas de Deus não se impõem pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou pela eficácia de uma boa campanha publicitária; mas Deus escolhe vir ao encontro dos homens na simplicidade, na fraqueza, na ternura de um menino nascido no meio de animais, na absoluta pobreza. É assim que Deus entra na nossa história… É assim a lógica de Deus.

Uma terceira indicação é dada pela referência às “testemunhas” do nascimento: os pastores. Trata-se de gente considerada rude, violenta, marginal, que invadiam com os rebanhos as propriedades alheias e que tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das crias do rebanho em benefício próprio. Eram, com freqüência, colocados ao lado dos publicanos e dos cobradores de impostos pela rígida moral dos fariseus: uns e outros eram pecadores públicos, incapazes de reparar o mal que tinham feito, tantas eram as pessoas a quem tinham prejudicado. Ora, Lucas coloca, precisamente, esses marginais como as “testemunhas” que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta forma, que é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a chegada de um tal “salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres, os débeis, os marginalizados, os pecadores, são convidados a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que Deus lhes oferece, em Jesus, e são convidados a integrar a comunidade da nova aliança, a comunidade do “Reino”.

Uma quarta indicação aparece nos títulos dados a Jesus pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é “o salvador, Cristo Senhor”. O título “salvador” era usado, na época de Lucas, para designar o imperador ou os deuses pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-O como a única alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria… O título “Cristo” equivale a “Messias”: aplicava-se, no judaísmo palestinense do séc. I, a um rei, da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de justiça e de paz da época davídica; dessa forma, Lucas sugere que o “menino de Belém” é esse rei esperado. O título “Senhor” expressa o caráter transcendente da pessoa de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos, a catequese lucana apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua missão.