segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

VIII DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - 2014

A CONFIANÇA EM DEUS 

1ª Leitura Is 49, 14-15 

• A um Povo que vive numa situação dramática de frustração, de desorientação, de total incerteza em relação ao futuro, que olha à volta e não vê Deus presente na sua caminhada, que começa a duvidar do amor e da fidelidade de Deus, o profeta diz: “não desanimeis: apesar da aparente ausência, Deus ama-vos ainda mais do que uma mãe ama o filho; por isso, Ele continua comprometido convosco, continua a percorrer convosco esse caminho histórico que, dia a dia, vos leva ao encontro da vida plena”. É uma mensagem eterna, consoladora e repousante… Num mundo em que as referências se alteram rapidamente, em que o futuro é incerto e a humanidade não sabe exactamente para onde caminha, em que o terrorismo, a guerra, as ameaças ambientais, o totalitarismo dos bens materiais ameaçam o frágil equilíbrio da humanidade, somos convidados a descobrir o amor materno de Deus, a sua solicitude nunca desmentida, a sua presença protectora. Temos medo de quê, se Deus é a mãe que nos ama de forma absoluta, que vigia o berço onde nós dormimos, que vela e nos serena com a sua presença e a sua solicitude maternal?
• A fotografia de Deus que o profeta nos apresenta convida-nos a descobrir um Deus que não é interesseiro, chantagista, negociante… O nosso Deus é um Deus que nos ama, gratuitamente, de forma absoluta e eterna – como uma mãe ama o filho, mesmo quando ele é rebelde. Qual é, na verdade, o Deus em quem acreditamos?
• O amor de Deus não é condicional e não espera nada em troca. É este amor desinteressado que procuramos testemunhar, ou os nossos gestos de bondade, de amizade, de misericórdia são um negócio em que esperamos ganhar?

2ª Leitura 1Cor 4,1-5

• A reflexão de Paulo convida-nos, em primeiro lugar, a tomar consciência daquilo que é essencial na nossa fé: a proposta de salvação/libertação que, em Jesus, Deus oferece aos homens. É isso e apenas isso que deve atrair o nosso olhar e encher o nosso coração. Não convém perder isto de vista: o cristianismo não é a adesão a uma determinada filosofia ou estilo de vida, nem a aceitação de uma moda que agora está “in” mas a qualquer momento pode ficar “out”; mas é o abrir o coração à oferta de salvação que, em Jesus, Deus nos faz.
• Portanto, não interessam muito os “invólucros”, através dos quais a proposta de salvação de Deus nos chega: se o padre é simpático ou não, se o seu discurso é cativante ou não, se temos razões de queixa contra ele ou não, se ele tem muitos defeitos ou muitas virtudes… O essencial é a mensagem; os mensageiros são apenas veículos mais ou menos imperfeitos dessa mensagem eterna.
• Os veículos da mensagem – sejam eles padres ou leigos – devem ter consciência de que não estão a anunciar-se a si próprios… Por isso, devem evitar atrair sobre si as luzes da ribalta; devem apresentar a proposta salvadora de Deus com fidelidade e coerência – sem adoçar as palavras e sem procurar fazer jogos de “charme”; devem assumir-se como discretos e fiéis “servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus”.
• Paulo refere o seu desinteresse em relação ao julgamento dos homens; só lhe interessa o julgamento de Deus. Estas palavras, no entanto, não podem servir para justificar comportamentos arbitrários ou prepotentes por parte dos animadores das comunidades cristãs (“faço o que me apetece e não tenho de dar satisfações a ninguém”…). Devem ser entendidas no contexto em que se apresentam: Paulo está, apenas, a dizer que não lhe interessam os juízos dos homens acerca do seu jeito para brilhar com as palavras; só lhe interessa ser fiel à missão que Deus lhe confiou.

Evangelho Mt 6,24-34

• A primeira grande questão que, neste texto, Jesus nos coloca é a questão das nossas prioridades. Dia a dia somos bombardeados com um conjunto de propostas mais ou menos aliciantes, que nos oferecem a chave da felicidade e da vida plena: o dinheiro, o êxito profissional, a progressão na carreira, a beleza física, os aplausos das multidões, o poder… E estes ou outros valores semelhantes – servidos por técnicas de publicidade enganosa – tornam-se o “objectivo final” na vida de tantos dos nossos contemporâneos. No entanto, Jesus garante-nos que a vida plena não está aqui e que, se estes valores se tornam a nossa prioridade fundamental, a nossa vida terá sido um tremendo equívoco. Para Jesus, é no “Reino” – isto é, na aposta incondicional em Deus e no acolhimento do seu projecto de salvação/libertação – que está o segredo da nossa realização plena. Quais são as minhas prioridades? Em que é que eu tenho apostado incondicionalmente a minha vida?
• As propostas equívocas de felicidade criam, muitas vezes, desorientação e confusão. Ao encherem o coração do homem de ídolos com pés de barro, afastam o homem de Deus e deixam-no perdido e sem referências, só diante de um mundo hostil – como criança perdida, indefesa, impotente. Jesus lembra-nos, porém, que Deus é um Pai cheio de solicitude e de amor, permanentemente atento às necessidades dos filhos (Ele até veste os lírios do campo e alimenta as aves do céu…). Ele convida-nos a colocar a nossa confiança e a nossa esperança nesse Pai que nos ama e a enfrentar o dia a dia com essa serena confiança que nos vem da certeza de que Deus é nosso Pai, conhece as nossas dores e necessidades e nos pega ao colo nos momentos mais dramáticos da nossa caminhada.
• A referência à incompatibilidade entre Deus e o dinheiro convida-nos a uma particular reflexão neste campo… O dinheiro é, hoje, o verdadeiro centro do poder no mundo. Ele compra consciências, poder, bem-estar, projecção social, reconhecimento e até compra amor. Por ele mata-se, calcam-se aos pés os valores mais fundamentais, renuncia-se à própria dignidade, envenena-se o ambiente (que interessa o buraco do ozono, a poluição dos rios, o desaparecimento das florestas, se isso fizer mais ricos os donos do mundo…), escravizam-se os irmãos. Quando a lógica do “ter mais” entra no coração do homem e o domina, o homem torna-se escravo e, por sua vez, leva a escravidão aos outros homens. Torna-se injusto, prepotente e explorador, passa indiferente ao lado dos irmãos que vivem abaixo do limiar da dignidade humana, deixa de ter tempo para gastar com aqueles que ama (o amor do dinheiro sobrepõe-se a todos os outros amores), relega Deus para a lista dos valores secundários, acha o “Reino” proposto por Jesus “uma absurda quimera”. Como nos situamos face a isto? Se tivermos que optar (não em termos teóricos, mas nas situações concretas da vida) entre o dinheiro e os valores do “Reino”, qual é que escolhemos?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

AMAR ATÉ OS INIMIGOS

VII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A

Lv 19,1-2.17-18 – Sl 102 – 1 Cor 3,16-23 – Mt 5,138-48

O mandamento do amor ao próximo não era desconhecido antes de Jesus. De fato, no Antigo Testamento nunca se havia pensado em amar a Deus sem se interessar pelo próximo (1ª leitura). Nos Provérbios encontra-se até uma passagem que ressoa quase com as mesmas palavras do mandamento de Cristo: “Se teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede dá-lhe de beber...” Mas é necessário acrescentar que a frase surge ali inteiramente isolada das demais.

Um mandamento paradoxal

Em sua formulação, em se conteúdo em sua forte exigência, o mandamento de Jesus é novo e revolucionário. É novo pelo se universalismo, por sua extensão em sentido horizontal: não conhece restrições de classe, não leva em conta exceções, limitações, raça, religião; dirige-se ao homem nas unidade e na igualdade de sua natureza. É novo pela medida, pela intensidade, por sua dimensão vertical. A medida é dada pelo próprio modelo que nos é apresentado: “Dou-vos um mandamento novo, que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei, assim amai-vos uns aos outros”. A medida de nosso amor para com o próximo é, pois, o amor que Cristo tem por nós; ou melhor, o mesmo amor que o Pai tem por Cristo: porque “Como o Pai me amou também eu vos amei”. Deus é amor e nisto se manifestou o seu amor: ele nos amou primeiro e enviou seu Filho para expiar nossos pecados. É novo pelo motivo que nos propõe: amar por amor de Deus, pelas mesmas finalidades de Deus; exclusivamente desinteressado; com amor puríssimo; sem sombra de compensação. Amar-nos como irmãos, com um amor que procura o bem daquele a quem amamos, não o nosso bem. Amar como Deus, que não busca o bem na pessoa a quem ama, mas cria nela o bem, amado-a. É novo porque Cristo o eleva ao nível do próprio amor de Deus. Se a concepção judaica podia deixar crer que o amor fraterno, se põe no mesmo plano dos outros mandamentos, a visão cristã lhe dar um lugar central, único. No Novo testamento o amor do próximo está indissoluvelmente ligado ao preceito do amor de Deus.

Temos inimigos a perdoar?

“A fé... lembra ao cristão os mandamentos de Deus e proclama o espírito das bens-aventuranças; convida a ser paciente e bondoso, a eliminar a inveja, o orgulho, á maledicência, a violência; ensina a tudo crer, tudo esperar, tudo sofrer, porque o amor nunca passará”.Mas insiste ainda: “Ama teu inimigo..., oferece a outra face...Não pagues co o mal o mal”. Quantos cristãos fizeram da palavra de Jesus a lei da sua vida! Q eu perdoa, Poe amor de Cristo crucificado, o assassino do seu irmão; pais que esquecem heroicamente ofensas recebidas dos filhos; esposos que superam as ofensas e culpas; homens políticos que não conservam rancor pelas calúnias, difamações, derrotas; operários que ajudam o companheiro de trabalho que tentou arruiná-los etc...

Não devemos também pedir perdão?


Em nome da religião e de Cristo, os cristãos se dividiram , dilacerando assim o corpo de Cristo. Viram no irmão um inimigo, se “excomungaram” reciprocamente, chamando-se hereges, queimando, queimando livros e imagens... Derramou-se sangue, explodiu ódio em guerras de religião. O orgulho, o desprezo e a falta de caridade caracterizaram as diatribes teológicas e os escritos apologéticos. Os inimigos de Deus e da Igreja, da religião combatidos com armas e com ódio. Travaram-se lutas, organizaram-se cruzadas. Hoje, a Igreja superou, ou encaminha para superar, muito dessas limitações. Não mais hereges, mas irmãos separados; não há mais adversários, mas interlocutores; não consideramos mais o que divide, mas antes de tudo o que une; não condenamos em bloco e a priori as grandes religiões não cristãs, mas nelas vemos autênticos valores humanos e pré-cristãos que nos permitem entrar em diálogo. Mas a intolerância e a polêmica estão sempre de atalaia. Não estaremos acaso usando dentro da própria Igreja, aquela agressividade e polêmica excessivas que outrora usávamos como os de fora da Igreja, aquela  agressividade e polêmica excessivas que outrora usávamos com os de fora da Igreja? Quantos cristãos engajados, uma vez faltando o alvo de fora, começaram a visar como “inimigos” os próprio irmãos na fé, e os combatem obstinadamente, sem amor! E  sem perdão!

sábado, 8 de fevereiro de 2014

HOMENS, LUZ DO MUNDO

V DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A

(Is 58,7-10 – SL 111 – Cor 2,1-5 – Mt 5, 13-16)

O trecho evangélico está no contexto das bem-aventuranças. Os que são proclamados bem-aventurados, não o são só par si mesmos, mas também perante o mundo; para a realidade terrestre são luz e sal. “Vós sois a luz do mundo”; Jesus disse estas palavras em primeiro lugar para os que crêem, os discípulos que são os pobres, os mansos, os que têm fome e sede de justiça... São luz não porque pertencem á Igreja, ou porque tenham uma doutrina de salvação a comunicar, nem porque são homens de oração e fiéis ao culto; mas, em primeiro lugar, porque são pobres, mansos, puros de oração...

Vejam vossas boas obras

A 1ª leitura acentua, Ao povo hebreu, preocupado com a prática exterior e irrepreensível do culto, atarefado em reconstruir o templo destruído, Deus lembra que, mais do que o esplendor do culto, o que lhe agrada é que hospedem os desabrigados, dividam o pão com o faminto...”Então a tua Liz romperá como aurora”. Não basta rezar e jejuar, A oração e o jejum devem ser acompanhados da ação, “para fazer brilhar a luz nas trevas”, A abstinência do alimento vale pouco se não for para nutrir o faminto. Como pode o discípulo, concretamente, tornar-se “sal da terra e luz do mundo”, está dito também claramente no evangelho quando conclui: “Vejam as vossas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. Não são as palavras que dão testemunho da vinda do reino de Deus, mas a pratica da vida, o comprometer-se em tarefas construtivas. O discípulo deve misturar-se, penetrar profundamente no mundo para dar-lhe o sabor novo, o fermento de salvação trazido por Cristo.
No rito do batismo, o sacerdote entrega ao pai do batizado uma vela acesa no círio pascal. Cristo ressuscitado é a “luz”. O batizado é o “iluminado” que se insere na morte-ressurreição de Cristo. Viver a luz é da luz e o compromisso que o espera: o Espírito o “move”, o “arrasta”. As “obras da luz” são obra do Espírito através da fragilidade do homem. Não há lugar para presunção, vanglória, soberba.

Onde está hoje a luz que salva?

O evangelho fala de sal insípido, que “para nada serve senão ser lançado fora e pisado pelos homens”. Fala-se de luz escondida “sob o alqueire”. É em convite a “provar” a qualidade do nosso sal de cristãos de hoje, e a ver com que obstáculos ocultamos a luz do evangelho. A firmeza de Isaías não nos permite gracejar ou complicar com sutilezas a palavra de Deus.
Ainda hoje contam-se ás centenas de milhões os famintos no mundo, e estão sempre aumentando, conseqüência de uma lógica férrea, própria de um sistema econômico desumano, que acumula riqueza cada vez maiores nas mãos dos que estão fartos e despoja inexoravelmente os miseráveis. O embaraço ainda se torna maior quando lançamos um olhar sobre o mapa da fome, da miséria e da opressão “tradicionalmente cristãos” estão no auge da riqueza, da opulência. 

Sinal ou barreira

Surge então a pergunta se também nós, cristãos, não apoiamos um sistema injusto e opressor dos fracos e dos pobres. A pobreza do Terceiro Mundo e as estatísticas do subdesenvolvimento não se explica pela recusa da técnica, ou pela preguiça congênita e irremediável, mas pela secular exploração das matérias-primas, pela submissão forçada a uma raça, pelo comércio internacional baseado na intimidação ou na boicotagem, nas “ajudas” internacionais como modo de desfazer-se utilmente de mercadorias inúteis. Fica então uma interrogação: será que a luz de Cristo ainda ilumina este “mundo” ou, ao contrario, ilumina só um “mundo futuro”, para qual devemos caminhar como um êxodo? A comunidade cristã de hoje corre o risco de ocultar atrás de pesadas barreiras a luz de Cristo. A não-consciência da solidariedade no testemunho, o desinteresse por uma expressão comunitária da nossa fé, a política de se lavar as mãos quanto aos fatos em que não estão em jogo os nossos interesses, a intervenção ingênua em defesa da “ordem constituída” impedem ás nossa comunidades eclesiais de fazer ver a luz. É necessária uma continua reflexão a fim de que as estruturas não se tornem barreira ou contratestemunho da nossa Igreja. E a reflexão deve torna-se ação como sabedoria e eficácia, para não destruir nada de válido, para fazer brotar as sementes de bem que existem por toda parte e que esperam um bom terreno, um cultivo cuidadoso e o confiante recurso ao auxílio decisivo de Deus.


“LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO...”