segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A MORTE, UM MISTÉRIO

COMEMORAÇÃO DE TODOS FIÉIS DEFUNTOS - FINADOS

A Igreja dá à data litúrgica de 2 de novembro o título de “Comemoração de todos os fiéis defuntos”. É um dia no qual nós, cristãos, rezamos principalmente pelos nossos irmãos na fé, ou seja, os batizados em Cristo, que já morreram. Claro que toda a humanidade – e não só os cristãos – são objeto da oração e solicitude da Igreja, que é Corpo de Cristo, o Salvador de todos! Diariamente, na Santa Missa, a Igreja recorda não somente os “nossos irmãos que partiram desta vida”, mas também “todos aqueles cuja fé só vós conheceis”!
Seja como for, o Dia de Finados coloca-nos diante de uma questão fundamental para nossa existência: a questão da morte. Nosso modo de enfrentar a vida depende muito do modo como encaramos a morte, e vice-versa! Atualmente, há quatro modos possíveis de encará-la, de colocar-se diante da realidade da morte. Senão vejamos:
Há aqueles – e não são poucos – que cinicamente a ignoram. Vivem como se um dia não tivessem que morrer: preocupam-se tão somente com esta vida: comamos e bebamos! Em geral, quando vão a um sepultamento, conversam o tempo todo sobre futebol, política ou quaisquer outros assuntos banais e rasteiros. São pessoas rasas, essas; pessoas que nunca pararam de verdade para se perguntar sobre o sentido da vida e, por isso mesmo, não vivem; sobrevivem, apenas! Estas, quando tiverem que enfrentar a própria morte, que vazio, que absurdo encontrarão! É o preço a pagar pelo modo leviano com que viveram a vida! Isto é triste porque quando o homem não pensa na morte, esquece que é finito, passageiro, fugaz e, assim, começa a julgar-se Deus de si mesmo e tudo que consegue é infernizar sua vida e a dos outros. São tantos os exemplos atuais…
Há ainda aqueles que diante da morte se angustiam, apavoram-se até ao desespero. A morte os amedronta: parece-lhes uma insensatez sem fim, pois é a negação de todo desejo de vida, de felicidade e eternidade que cresce no coração do homem. Estes sentem-se esmagados pela certeza de um dia ter que encarar, frente a frente, tão fria, tirana e poderosa adversária. Assim, querendo ou não, podem afirmar como Sartre, o filósofo francês: “A vida é uma paixão inútil!”
Há também um terceiro grupo: o dos otimistas ingênuos. Vemo-los nessas seitas esotéricas de inspiração oriental e em todas as doutrinas reencarnacionistas. A Seicho-no-iê, por exemplo, afirma que o mal, a doença, a morte, são apenas ilusão: a meditação, o autocontrole, a purificação contínua, podem libertar o homem de tais ilusões; o Espiritismo, proclama, bêbado de doce ilusão: “A morte não existe. Não há mortos!” – É esta a afirmação existente num monumento ao nascimento do Espiritismo moderno, em Hydesville, Estados Unidos. Não há morte para nos agredir; há somente uma desencarnação!
Mas, há ainda um último modo de encarar a morte, tipicamente cristão. A morte existe sim! E dói! E machuca! Não somente existe, como também marca toda a nossa existência: vivemos feridos por ela, em cada dor, em cada doença, em cada derrota, em cada medo, em cada tristeza… até a morte final! Não se pode fazer pouco caso dela: ela nos magoa e nos ameaça; desrespeita-nos e entristece-nos, frustra nossas expectativas sem pedir permissão! O cristão é realista diante da morte; recorda-se da palavra de Gn 2,17: “De morte morrerás!” Então, os discípulos de Cristo somos pessimistas? Não! Nós simplesmente não nos iludimos: sabemos que a morte é uma realidade e uma realidade que não estava no plano de Deus para nós: não fomos criados para a ela, mas para a vida! Deus não é o autor da morte, não a quer nem se conforma com ela! Por isso mesmo enviou-nos o seu Filho, aquele mesmo que disse: ”Eu sou a Vida; eu sou a Ressurreição!” Ele morreu da nossa morte para que nós não morramos sozinhos, mas morramos com ele e como ele, que venceu a morte! Para nós, cristãos, a morte, que era como uma caverna escura, sem saída, tornou-se um túnel, cujo final é luminoso. Isto mesmo: Cristo arrombou as portas da morte! Ela tornou-se apenas uma passagem, um caminho para a nossa Páscoa, nossa passagem deste mundo para o Pai: “Ainda que eu passe pelo vale da morte, nenhum mal temerei, porque está comigo!” Em Cristo a morte pode ser enfrentada e vencida! Certamente ela continua dolorosa, ela nos desrespeita; mas se no dia a dia aprendermos a viver unidos a Cristo e a vivenciar as pequenas mortes de cada momento em comunhão com Senhor que venceu a morte, a morte final será um “adormecer em Cristo”.
Por tudo isso, o Dia de Finados é sempre excelente ocasião não somente para rezar pelos nossos irmãos já falecidos, mas também para pensarmos na nossa morte e na nossa vida, pois “tal vida, tal morte!

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

30° DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A

O NOVO MANDAMENTO DO AMOR

  

Ex 22,20-26; SÍ 17; 1Ts 1,5c-10; Mt 22,34.40
A experiência da precariedade da vida deve levar as pessoas à liberdade do agir. 
Quem passa pelo sofrimento e pela experiência da dor, deseja libertar-se. Todavia, a libertação só será autêntica se, progredindonà liberdade, a pessoa superar o complexo de vítima e o desejo de revanche, assumindo a postura de solidariedade ante os sofredores e de misericórdia ante o arrependimento de quem erra. A prática da justiça, para quem crê, transita nessas duas bitolas: solidariedade e misericórdia.
Porque misericordioso...
O livro do Êxodo usa o Egito não como entidade espaço-geográfica, mas como categoria teológica. Entendido sob esse prisma, o Egito pode existir mesmo em Israel. Esse elemento aparece com força no texto da liturgia de hoje. Estrangeiro — viúva — órfão são três classes de pessoas cuja situação socioeconômica e política as iguala à situação de Israel no Egito. A opressão a essas pessoas desloca o Egito para Israel. Em consequência, se Deus agiu contra o Egito para libertar Israel, da mesma forma agirá contra Israel para libertar essas pessoas. Essa advertência do texto bÍblico não é uma ameaça a Israel. É um chamado à consciência. Por ter passado pelo sofrimento, Israel é convidado a superar quaisquer formas de opressão e a viver a solidariedade para com aqueles que em seu meio vivem em condições de precariedade.
O texto também faz referência às relações econômicas de empréstimo e penhora de bens. Emerge como objeto de exploração, nessas relações, o pobre que, tanto no caso de empréstimo, como no de penhora de bens, entra por necessidade. A exploração dos pobres por juros ou pela expropriação de seus bens é vista como injustiça. Certamente a referência a esse tipo de relações evidencia uma realidade que ocorria em Israel. Voltando seu olhar para o pobre, Deus lê os fatos a partir de sua condição. Eles não devem ser punidos por sua condição, mas gozarem da misericórdia de quem os socorre. De forma pedagógica, o autor sagrado quer fazer emergir a imagem e a missão de Israel como povo de Deus. É sempre importante ter presente que, para ser povo eleito ou povo de Deus, Israel também tem de escolher Deus e sua justiça, manifestando isso pela misericórdia e pela prática da caridade para com os pobres.
Amarás...
Jesus continua sendo desafiado por seus algozes religiosos. “Perfeitos” no cumprimento da lei, vista como salvadora, os fariseus testam Jesus indagando sobre o maior mandamento. A resposta. de Jesus toca na raiz de todas as práticas da fé. Ele não se baseia na lei, porque ela, como mediação, não tem força de salvação. O que coloca o crente no caminho da salvação é o espírito com que se abre a Deus e coloca em prática os mandamentos.
Resumir os mandamentos no amor a Deus e ao próximo reflete o caráter simples de Deus. Déus  salva por amor, por isso vem ao encontro do ser humano. Nesse sentido, o amor de Deus não é abstrato, mas manifesta-se na comunicação da vida a cada ser vivo e na aproximação dele em relação à humanidade. Dessa forma, podemos afirmar a existência do único e fundamental mandamento do amor. Se Deus nos ama doando-nos a vida e nos salvando, então, amar a Deus significa amar igualmente ao próximo. Não se ama ao próximo porque se ama a Deus. Se o amor ao próximo é a expressão concreta do amor a Deus, não amá-lo significa que-nunca se amou a Deus.
As práticas religiosas têm por finalidade levar à consciência de Deus e de nossa necessidadede amá-lo. Dessa forma, práticas e mentalidades religiosas rápidas em julgar e condenar pessoas, utilizando-se inclusive de violência e de difamação, não passam de um engodo, apresentandô uma falsa imagem de Deus. O problema do farisaísmo não é a questão do desejo de Deus, mas o da absolutização de uma imagem de Deus, excluindo todas as outras experiências de fé, sem abertura para a misericórdia e o diálogo. O amor é mandamento único, porque jamais exclui alguém, acolhendo a todos os que se abrem para acolher Deus e o próximo.
Acolher o amor...
A fé manifesta-se como acolhida ao amor de Deus para conosco. Recusar o amor significa voltar para o Egito e permitir que as injustiças e as forças de morte atuem na historia. O verdadeiro amor não e uma ideia abstrata ou sentimentode posse. É atitude de quem vive os valores do Reino como norma de vida. O testemunho de fé transcende fronteiras, porque, enquanto acolhida da Palavra na alegria do Espírito de Jesus, leva a conversão, que e a liberdade em Deus.

sábado, 4 de outubro de 2014

27º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO A

O JUÍZO DE DEUS SOBRE O POVO


Isaias 5,1-7 - Filipenses 4,6-9 - Mateus 21,33-43 

A vinha é boa... Os chefes é que são ruins.
Muitas comparações foram feitas para falar das atitudes e da história do povo de Israel e da sua relação amorosa (mas cheia de tempestades) com o seu Deus. A alegoria da vinha que encontramos no profeta Isaías (Is 5,1-7) era entre as mais conhecidas pelo povo. A vinha é Israel, cheia de ingratidão porque não produz os esperados frutos de justiça, e sim violência e opressão, apesar de todos os cuidados que Deus tem para com ela. Esta alegoria aparece de novo no cap. 21 do evangelho de Mateus. Em Mateus, para compreender melhor o desenvolver do drama, podemos notar a sequência das narrativas no capítulo 21: Jesus entra em Jerusalém (Mateus 21,1-17) e vai logo ao templo para expulsar os vendedores, entrando em conflito direto com os chefes do povo. Em continuidade, vem outra metáfora do povo e suas instituições, o episódio da figueira estéril (Mateus 21,18-22). Depois, segue a parábola dos dois filhos e o debate de Jesus com as autoridades sobre o batismo de João (Mateus 21,23-27), para, enfim, chegar ao texto deste domingo, onde Jesus retoma a imagem da vinha. É, portanto, um capítulo onde os conflitos vão se aguçando fortemente, tornando Jesus cada vez mais incômodo para as autoridades.
A história poderia ser diferente
Jesus retoma esta alegoria, mas mudando o acento: ele não acusa a vinha de não produzir uva, como o texto de Isaías, e sim os agricultores, os responsáveis pela produção. São os arrendatários que desviam o fruto da videira e sonegam o pagamento ao patrão. Mas aqui é bom fazer uma distinção e, para entender melhor, vou contar uma história.
Antigamente, na região do mediterrâneo, quando era a época da colheita da uva, as famílias dos agricultores se juntavam para fazer uma vindima mais rápida e fazer um trabalho de mutirão nas terras dos vizinhos. Muitas vezes participavam deste mutirão também pessoas que não tinham terra e sempre havia muitas crianças pulando, brincando e querendo ajudar a colher a uva. Ao final do dia, os arrendatários arrumavam um saco e colocavam dentro alguns cachos de uva para este povo levar para casa e as crianças poderem comer, dizendo aos amigos: "Levem, enquanto o patrão não vê". É claro que, se fosse por ele, o patrão, nem um grão desta uva seria doado, porque só ele "tem direito" ao lucro. Assim, eu acredito, Jesus tinha vivido no seu tempo de criança: participando de uma festa feita com os dons da caridade escondida, mas que vem do coração e que se preocupa com a vida do povo. A ganância do patrão se preocupa somente com o lucro e não com a vida das pessoas que trabalham na sua terra.
Por isso, Jesus não acusa a vinha (isto é, o povo) de não produzir frutos, mas acusa diretamente os que são responsáveis pela organização e pela produção deste mesmo povo. Este aspecto pode ser entendido melhor se a gente pensa no dono da vinha como sendo Deus, os arrendatários sendo os chefes do povo, enquanto a vinha é o povo que deve ser conduzido.
Continuando com a comparação feita na história, o povo simples, representado pelos agricultores que trabalham a terra e cultivam a videira, pode até errar, mas sempre tem no fundo do coração uma atitude de defesa da vida, de compreensão e partilha com o irmão sofredor. Os que estão dispostos a destruir, mentir, perseguir e até matar são justamente os que têm construído os valores de suas vidas em cima da opressão e da exploração do povo. O fruto da vinha, uva que deveria ser fonte de alegria e vida, se torna assim fonte de destruição e morte.
Jesus também veio para a colheita... mas foi jogado fora!
Compreende-se melhor agora porque os emissários do dono (os profetas ao longo da história de Israel) foram maltratados, e até o próprio filho foi morto e "jogado fora da vinha". Assim também Jesus, quando veio para reclamar os frutos da justiça e proclamar o ano de graça do Senhor (Lucas 4,16-21), foi "jogado fora dos muros de Jerusalém, no monte Calvário" e crucificado (Hebreus 13,12). Na lógica da religião do templo, assim como estava organizada, ele não podia vir para desestruturar um sistema tão bem montado, sistema que prendia a consciência das pessoas e garantia assim o lucro dos grandes e dos que manipulavam até a religião e o nome de Deus.
É por causa da dureza do coração destas pessoas que a vinha lhes foi tirada e dada a quem fosse entregando a produção. Então a vinha foi colocada sob o cuidado de outros administradores: os pagãos, que tiveram a atitude de acolher o anúncio do Reino, diferentemente das autoridades do povo. E o texto acrescenta que isso se realizou numa lógica que já estava nas escrituras: a pedra jogada fora pelos construtores tornou-se pedra angular do edifício (Salmo 118,22-23). Podemos constatar aqui a lógica diferente, a da morte e ressurreição de Jesus, sobre a qual está fundado o novo povo de Deus (Atos 2,33; 1 Pedro 2,7).
Fazer parte da vinha de Deus não é privilégio
Abrindo agora o sentido desta parábola para nós, podemos reparar que Deus esperava a justiça de Israel, mas precisou colocar outros administradores para poder colher estes frutos. Os frutos da justiça consistem antes de tudo em "escutar e pôr em prática" tudo o que Jesus ensinou (Mateus 7,21-27; 17,5) e isso produz amor sem fingimento, união fraterna, respeito e valorização da dignidade humana, partilha...
Um segundo aspecto importante: não há mal que não venha por bem. São Paulo, na carta aos Romanos (Romanos 11,11), nos diz que é justamente graças à dureza de coração destas pessoas que a Boa Nova foi aberta e anunciada aos pagãos. Deus, portanto, não rejeitou "os judeus" - pensamento que ao longo da história provocou tanta discriminação, sofrimento e perseguição, e até milhões de mortes - mas rejeita os líderes, os chefes, de ontem e de hoje, que fazem do nome de Deus uma oportunidade para dominar e se enriquecer à custa da boa fé do povo. É claro que todos têm a própria parte de responsabilidade, mas aqui estamos falando de uma estrutura social e religiosa de dominação.
Dito isto, não podemos ler esta parábola com autossuficiência porque a mesma coisa pode acontecer com a gente. Basta olhar a história do nosso continente, a América Latina. Tinha sido entregue a "administradores" para que as suas populações fossem evangelizadas e, no entanto, os seus frutos foram despojados pela violência institucionalizada. Como cristãos, não temos nada para nos sentirmos melhores do que os outros. Ainda hoje, o Brasil é considerado o país mais cristão do mundo... e onde estão os frutos de justiça?
Até dentro de nossas igrejas existe o perigo de querer guardar os frutos para si. Deve ficar bem claro que fazer parte da vinha de Deus não é um privilégio, mas uma missão que requer compromisso para produzir "frutos de justiça".