terça-feira, 24 de novembro de 2015

A REDENÇÃO É LIBERTAÇÃO

1º DOMINGO DO TEMPO DO ADVENTO – ANO C

Jr 33, 14-16; Sl 24; 1Ts 3,12-4,2; Lc 21,25-28.34-36

Iniciamos hoje o Advento, tempo de expectativa e de esperança, mas, também, um tempo de vigilância e de oração. Abre-se agora uma ocasião muito especial para nossa conversão. É permanecendo atentos aos sinais dos tempos e esforçando-nos para viver a caridade que preparamos o Natal do Senhor. Em pé e de cabeça erguida, abramos nosso coração e deixemos que a justiça e a redenção aconteçam em nossa vida.
Neste 1º Domingo do tempo do advento, a Palavra de Deus apresenta-nos uma primeira abordagem á vinda do Senhor.
Na primeira leitura, pela boca do profeta Jeremias, o Deus da aliança anuncia que é fiel às suas promessas e vai enviar ao seu Povo um “rebento” da família de Davi. A sua missão será concretizar esse mundo sonhado de justiça e de paz: fecundidade, bem-estar, vida em abundância, serão frutos da ação do Messias.
O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Messias filho de David, a anunciar a todos os que se sentem prisioneiros: “alegrai-vos, a vossa libertação está próxima. O mundo velho a que estais presos vai cair e, em seu lugar. Vai nascer um mundo novo, onde conhecereis a liberdade e a vida em plenitude. Estais atentos, a fim de acolherdes o Filho do Homem que vos traz o projeto desse mundo novo”. É preciso, no entanto, reconhecê-l’O saber identificar os seu apelos e ter coragem de construir, com Ele, a justiça e a paz.
A segunda leitura convida-nos a não instalamos na mediocridade e no comodismo, mas esperar numa atitude ativa a vinda do Senhor. É fundamental, nessa atitude, a vivência do amor: é ele o centro do nosso testemunho pessoal, comunitário, eclesial.
ATUALIZANDO
Em geral, quando se fala em fim do mundo, a sensação que temos é sempre de medo. A própria palavra apocalipse nos faz pensar apenas em catástrofes terríveis. Não é isso o que Jesus nos transmite com suas palavras. Ele quer que velamos esses acontecimentos trágicos como um tempo de libertação. De fato, quando Jerusalém foi destruída, os primeiros cristãos partiram para iniciar comunidades em outros países. Assim, o sofrimento transformou-se em redenção e em nova missão. Portanto. É preciso sempre erguer a cabeça, olhar para o alto e confiar no Senhor.
“Naqueles dias e naquele tempo farei desabrochar do tronco de Davi um germe de justiça; ele exercera o direito e a justiça sobre a terra” (Jr 33,15). Os profetas do Antigo Testamento geralmente anunciavam uma esperança próxima, sem perceber que de fato Deus os inspirava para anunciarem uma esperança que se realizaria somente com Jesus. Jeremias anuncia alguém que implantará o direito e a justiça sobre a terra. Jesus veio como germe de justiça sua palavra levará tempo para realizar-se, mas já transformou a vida de muitas gerações.
“Que Ele assim confirme vossos corações numa santidade irrepreensível diante de Deus, nosso Pai no dia da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo com todos os seus santos” (1Ts 3,13). Essa vinda gloriosa de Jesus é chamada de Parusia, que indica sua presença como o Senhor da história para finalizar a Redenção de todo o universo. Ele deseja nos encontrar numa “santidade irrepreensível”, isto é, praticando o mandamento do amor fraterno.
“Olhem para o alto e levantem a cabeça porque vossa Redenção está próxima” (Lc 21,28). O anúncio da vinda de Jesus, longe de provocar medo, deveria encher-nos de esperança. Diante das tragédias da história, Jesus pede que sejamos fiéis em nossas convicções e atitudes, e perseverantes na oração. Ele nos garante que todos esses fatos serão Sinai da Redenção final da humanidade. Por isso, ao invés de tristeza e pavor é a hora de levantar a cabeça e olhar para o alto. Jesus, o Filho do Homem, estará chegando para resgatar seus eleitos. Por isso, o Advento nos faz entoar, já agora, o Maranathá: “Vem Senhor Jesus” (Ap 22,20). 

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

CRISTO, REI DE UM REINO DIFERENTE

JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO – ANO B

Dn, 13-14; Sl 92; Ap 1,5-8; Jo 18,33b-37

Os reis da terra geralmente apóiam sua autoridade na riqueza e na força de seus exércitos, Jesus deixa bem claro que seu Reino não é assim. De fato, Jesus nos conquistou por dentro, quando assumiu todas as nossas fragilidades e nos libertou do poder do mal e da morte. Por isso, Ele é nosso Rei, é o Senhor absoluto de uma natureza humana ressuscitada. É preciso que nos unamos intimamente a Ele para pertencermos a seu Reinado de amor e de vida eterna.

“Vi alguém semelhante a um Filho de homem, vindo das nuvens do céu...foram-lhe dados poder, glória e reino”, Daniel usa a expressão ‘filho do homem’ para anunciar um personagem que virá para libertar o povo da violência dos reis da terra e estabelecer um reino que jamais será destruído. Jesus assume para si essa expressão, apresentando-se como ‘filho do homem’, evitando que o chamem de rei, porque Ele veio para libertar e não para dominar.

“Eu sou Alfa e o Omega, diz o Senhor Deus, eu sou Aquele que é que será e que vem. O Todo-Poderoso”. Jesus é a encarnação do Verbo eterno, aquele por meio de que o Pai criou todo o universo. Ele é o principio de tudo e é também a meta de toda criação. Assumiu nossa natureza humana para libertar o homem da corrupção do tempo e dar-lhe a vida eterna, Traz o tempo e o universo em suas mãos, numa atitude de paciência e de misericórdia infinitas, confiando que os homens o reconhecerão como Senhor.


“Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui” Quem é batizado pertence ao Reino de Jesus e não deveria mais ser súdito dos reinos deste mundo. Pelo contrário, muitas vezes deverá entrar em contradição com os reinos deste mundo em seu modo de pensar e de agir, porque o Reino de Jesus é comprometido com a paz e justiça. Jesus é o Rei de uma humanidade redimida e destinada á ressurreição, que pratica a reconciliação e a fraternidade e onde a preferência é pelos pobres e humildes. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

MINHAS PALAVRAS NÃO PASSARÃO!

33º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B

Dn 12,1-3; Sl 15; Hb 10,11-14.18; Mc 13,24-32

Escatologia é a palavra da teologia cristã para significar que Deus estará presente no final da história da humanidade e da história de cada ser humano. Somente Ele nos garante que a vida humana vai continuar após esse fim. O final de cada ano nos alerta sobre esse fim, porque após a morte seremos julgados por Deus de acordo com a vida que levamos aqui na terra. E Jesus nos quer a todos como seus eleitos para vida eterna.

“E muitos daqueles que dormem no pó da terra despertarão: uns para vida eterna e outros para a vergonha e a infâmia eternas” (Dn 12,2). É difícil imaginar uma vida após a morte, porque não existem sinais visíveis de imortalidade naqueles que falecem. Somente a Palavra de Deus, anunciada pelos profetas do Antigo Testamento como Daniel, e realizada plenamente na morte e ressurreição de Jesus, nos dá a segurança da vida após a morte. E ela será feliz ou infeliz. Segundo as escolhas que fizemos em nossa vida terrena.

“Cristo, ao contrario, depois de ter oferecido um sacrifício único pelos pecados, está sentado para sempre à direita de Deus” (Hb 10,12-14). Toda a nossa esperança de imortalidade se fundamenta na humanidade ressuscitada e glorificada de Jesus. Sua entrega redimiu do mal e da morte, dando-nos o dom de viver para sempre na santidade do Deus uno e trino. Por isso, Jesus, quando encerrou sua missão na terra, disse-nos que iria nos preparar uma morada porque desejava que onde Ele estivesse, estivessem também todos os seus discípulos.


“Mas a respeito do dia e da hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai” (Mc 13-22). Quando será fim do mundo? Há sempre uma curiosidade doentia que provoca ameaças e medo. No entanto, Jesus desejava que o fim da história humana seja uma grande reunião dos seus eleitos para participarem da sua glória. Suas palavras nos dão uma segurança eterna, porque não passarão. É mais sábio manter-se consciente da própria morte do que ficar esperando amedrontado pelo fim do mundo.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A SOLIDARIEDADE DOS POBRES É ABENÇOADA

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

1 Rs 17,10-16; Sl 145; Hb 9,24-28; Mc 9,24-28


Ser pobre segundo o Evangelho é ser consciente das próprias necessidades e manter-se humilde diante de Deus e dos outros. Ninguém chega a uma experiência de união espiritual com Deus sem um profundo espírito de pobreza pessoal. O exibicionismo social e religioso reduz a fé a uma farsa. A pobreza evangélica produz a confiança incondicional em Deus e se manifesta na generosidade em partilhar o pouco ou muito que se possui.

“Elias lhe disse então: Não tenhas medo, vá e faz o que eu te disse”. O apego aos bens, poucos ou muitos, cria a ilusão da segurança, bloqueia a disposição de partilhar, torna as pessoas egoístas e as empurra para a ganância, quando o acumular de bens se transforma em vicio. Elias leva a viúva a confiar totalmente em Deus, partilhando com ele o pouco que possui. E ela é abençoada por Deus, sua farinha e seu azeite jamais acabarão.

Cristo não entrou em um santuário feito por mão humana...mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus em nosso favor”. Muito mais do que o profeta Elias, Jesus deve ser a razão maior de nossa segurança. Um cristão não pode apegar-se aos tesouros da terra, que a traça corrói e a ferrugem destrói. Seu tesouro maior é o Senhor, por tudo que Ele realizou por nós e pela esperança de vida que Ele nos oferece. È nele que nosso coração deve encontrar sua segurança.

“Esta viúva pobre deus mais do que todos os outros... deu tudo que possuía, tudo o que tinha para viver”. “Quem a Deus possui nada falta”, Quem confia totalmente em Deus supera o medo de lhe faltar o necessário e sabe partilhar com alegria e generosidade. Jesus desaprova a oferta dos ricos, que fazem não tanto para partilhar ou expressar sua pobreza diante de Deus, mas para se exibirem diante dos outros. E abençoa a oferta da viúva pobre, cuja moeda é o símbolo de toda sua vida, é a manifestação de sua pobreza e de sua confiança absoluta em Deus. Ela partilha até o que poderá lhe fazer falta. Eis porque a solidariedade dos pobres é abençoada por Deus.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

TODOS OS SANTOS

01/11/2015 – SOLENIDADE  DE TODOS OS SANTOS ANO B

Ap 7,2-4.9-14; Sl 23; 1Jo 3,1-3; Ev. Mt 5,1-12a

...Celebrar Todos os Santos é alegrar-se porque a revelação é capaz de transformar os frágeis em santos. Esta festa nos dá a certeza de que praticar a fé cristã com fidelidade não é uma utopia inacessível. Ela é valida e viável, ou seja, é um caminho possível e já comprovado por milhões de pessoas. Por isso, somos todos chamados à santidade.

“Vi uma multidão imensa, que se podia contar, de todas as nações, raças, povos e- línguas... diante do Cordeiro”(Ap 7,9). Deus não é perdedor, repetia um velho missionário. A Redenção abundante de Jesus tem penetrado na vida de inúmeros seres humanos, santificando-os em todos os lugares e através de todos os séculos. Muitos não foram canonizados nem serão conhecidos, mas cumpriram ou estão cumprindo sua missão de amor, de solidariedade e de misericórdia. A imagem de um inferno cheio de condenados e de um céu com uns poucos privilegiados soa como uma ofensa ao poder do amor de Deus e à boa vontade da maioria da humanidade.  

“Somos chamados filhos de Deus e nós o somos de fato” (1 Jo 3,1). O otimismo e a esperança que nos transmitem essas palavras de S. João devem nos fazer crer que a santificação é um presente de Deus ao ser humano. Fomos todos redimidos gratuitamente pela graça da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Tudo o que nos resta a fazer é corresponder a tanta misericórdia com uma resposta também de misericórdia, para que nos tornemos semelhantes a Ele.

Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia.”  Se alguém nos perguntasse qual é a essência da santidade, poderíamos dizer sem medo de errar: é tornar-se misericordioso. Ela está no centro das bem-aventuranças, como eixo principal dessa verdadeira ‘canonização’ do ser humano proclamada por Benedito. Basta recordar a vida de todos os santos, de S. Francisco de Assis a Madre Teresa de Calcutá, de S. Benedito a Madre Dulce, para ter certeza sobre qual é o caminho da santificação Façamos nosso o desafio que Sto. Agostinho fazia a si próprio, lendo a vida dos santos: “se eles e elas conseguiram, porque eu não irei conseguir também?” 

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo...

terça-feira, 25 de agosto de 2015

GUARDAR E VIVER OS MANDAMENTOS DO SENHOR!

22º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

Dt 4,1-2.6-8; Salmo 14 (15); Tg 1,17-18.21-22.27; Mc 7,1-8.14-15.21-23

A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a “Lei”. Deus quer a realização e a vida plena para o homem e, nesse sentido, propõe-lhe a sua “Lei”. A “Lei” de Deus indica ao homem o caminho a seguir. Contudo, esse caminho não se esgota num mero cumprimento de ritos ou de práticas vazias de significado, mas num processo de conversão que leve o homem a comprometer-se cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.
A primeira leitura garante-nos que as “leis” e preceitos de Deus são um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, o autor dessa catequese recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela.
No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que fizeram do cumprimento externo e superficial da “lei” um valor absoluto, esquecendo que a “lei” é apenas um caminho para chegar a um compromisso efetivo com o projeto de Deus. Na perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se centra no cumprimento formal das “leis”, mas num processo de conversão que leve o homem à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos.
A segunda leitura convida os crentes a escutarem e acolherem a Palavra de Deus; mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no coração tem de tornar-se um compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o mundo e com os homens.

1ª Leitura – Dt 4,1-2.6-8

Moisés falou ao povo, dizendo: 1«Agora escuta, Israel, as leis e os preceitos que vos dou a conhecer e ponde-os em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais. 2Não acrescentareis nada ao que vos ordeno, nem suprimireis coisa alguma, mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus, tal como eu vo-los prescrevo. 6Observai-os e ponde-os em prática: eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência aos olhos dos povos, que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão: ‘Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!’ 7Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O invocamos? 8E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento?»

ATUALIZAÇÃO

¨ O autor deste texto é, antes de mais, um crente com um enorme apreço pela Palavra de Deus. Ele vê nas leis e preceitos de Deus um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela. Que importância é que a Palavra de Deus assume na minha existência? Consigo encontrar tempo e disponibilidade para escutar, para meditar e interiorizar a Palavra de Deus, de forma a que ela informe os meus valores, os meus sentimentos e as minhas ações?
¨ Para muitos dos nossos contemporâneos, as leis e preceitos de Deus são um caminho de escravidão, que condicionam a autonomia e que limitam a liberdade do homem; para outros, as leis e preceitos de Deus são uma moral ultrapassada, que não condiz com os valores do nosso tempo e que deve permanecer, coberta de pó, no museu da história. Em contrapartida, para o catequista que nos oferece esta reflexão do Livro do Deuteronômio, a Palavra de Deus é um caminho sempre atual, que liberta o homem da escravidão do egoísmo e que o conduz ao encontro da verdadeira vida e da verdadeira liberdade. De fato, a escuta atenta e o compromisso firme com a Palavra de Deus é, para os crentes, uma experiência libertadora: salva-nos do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e projeta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida.
¨ Uma das insistentes recomendações do nosso texto é a de não adulterar a Palavra de Deus, ao sabor dos interesses pessoais dos homens. Existe sempre o perigo, quer na nossa reflexão pessoal, quer na nossa partilha comunitária, de torcermos a Palavra ao sabor dos nossos interesses, de limarmos a sua radicalidade, de lhe cortarmos os aspectos mais questionantes, ou de a fazermos dizer coisas que não vêm de Deus… É preciso perguntarmo-nos constantemente se a Palavra que vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa “palavra”, se ela transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais, se ela testemunha a lógica de Deus ou a nossa lógica humana. Este processo de discernimento é mais fácil quando é feito em comunidade, no diálogo e no confronto com os irmãos que caminham connosco, que nos questionam e que partilham connosco a sua perspectiva das coisas.
¨ Nós os crentes comprometidos andamos sempre muito ocupados a fazer coisas bonitas no sentido de mudar o mundo, num ativismo por vezes exagerado e que, aos poucos, nos vai fazendo perder o sentido da nossa ação e do nosso testemunho. No meio dessa atividade frenética, temos de encontrar tempo para escutar Deus, para meditar as suas propostas, para repensar as suas leis e preceitos, para descobrir o sentido da nossa ação no mundo. Sem a escuta da Palavra, a nossa ação torna-se um “fazer coisas” estéril e vazio que, mais tarde ou mais cedo, nos leva a perder o sentido do nosso testemunho e do nosso compromisso.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 14 (15)
2ª Leitura – Tg 1,17-18.21-22.27

Caríssimos irmãos: 17Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descem do Pai das luzes, no qual não há variação nem sombra de mudança. 18Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade, para sermos como primícias das suas criaturas. 21bAcolhei docilmente a palavra em vós plantada, que pode salvar as vossas almas. 22Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, pois seria enganar-vos a vós mesmos. 27A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo.

ATUALIZAÇÃO

¨ Na nossa sociedade, há uma tal super-abundância de palavras, que a palavra se desvalorizou. Todos dizem o que muito bem entendem, às vezes de uma forma pouco serena e pouco equilibrada, sem pesar as consequências. Habituamo-nos, portanto, a não levar demasiado a sério as palavras que escutamos e a não lhes conceder um crédito absoluto. O nosso texto, contudo, valoriza a Palavra de Deus e sublinha a sua importância no sentido de nos conduzir ao encontro da vida verdadeira e eterna. É preciso darmos à Palavra que Deus nos dirige um peso infinitamente superior às palavras sem nexo que todos os dias enchem os nossos ouvidos e que intoxicam a nossa mente… A Palavra de Deus é Palavra geradora de vida, de eternidade, de felicidade; por isso, deve ser por nós valorizada.
¨ O excesso de palavras (autêntica poluição sonora!) leva também à dificuldade em escutar com atenção. Não temos tempo nem paciência para escutar todos os disparates, todas as conversas sem sentido, toda a verborreia daqueles que gostam de se ouvir a si próprios, embora não digam nada de importante. Por outro lado, as exigências da vida moderna, o trabalho excessivo, o corre-corre do dia a dia, limitam muito a nossa disponibilidade para escutar. Criamos hábitos de não escuta e tornamo-nos surdos aos apelos que chegam até nós através da palavra. A nossa leitura convida-nos, entretanto, a encontrar tempo e disponibilidade para escutar o Deus que nos fala e que, através da Palavra que nos dirige, nos apresenta as suas propostas para nós e para o mundo.
¨ A Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos no coração deve conduzir-nos à ação. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação da Palavra, ela torna-se estéril e inútil. É preciso transformar essa Palavra que escutamos em gestos concretos, que nos levem à conversão e que tragam um acréscimo de vida para o mundo. A Palavra de Deus que escutamos tem de nos levar ao compromisso – à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos, pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais cristão.
¨ A nossa religião, sem a escuta atenta e comprometida da Palavra de Deus, pode facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos, a fidelidade a certas práticas de piedade, uma tradição que herdamos e na qual nos instalamos, uma prática que torna mais fácil a nossa inserção num determinado meio social, uma alienação que nos faz esquecer certos dramas da nossa vida… É a Palavra de Deus que, propondo-nos uma escuta contínua de Deus e dos seus projetos e um compromisso continuamente renovado com a construção do mundo, dá sentido a toda a nossa experiência religiosa, transformando-a numa verdadeira experiência de vida nova, de vida autêntica.

EVANGELHO – Mc 7,1-8.14-15.21-23

Naquele tempo, 1reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas que tinham vindo de Jerusalém. 2Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. 3Na verdade, os fariseus e os judeus em geral não comem sem ter lavado cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos antigos. 4Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado. E seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição, como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre. 5Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus: «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?» 6Jesus respondeu-lhes: «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: 7‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. 8aVós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens». 14Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão e começou a dizer-lhe: «Ouvi-Me e procurai compreender. 15Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; 21porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos:22imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. 23Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro».

ATUALIZAÇÃO

¨ O que é que é decisivo na experiência religiosa? Será o estrito cumprimento das leis definidas pela Igreja? Serão as manifestações exteriores de religiosidade que definem quem é bom ou mau, santo ou pecador, amigo ou inimigo de Deus?
¨ As “leis” têm o seu lugar numa experiência religiosa, enquanto sinais indicadores de um caminho a percorrer. No entanto, é preciso que o crente tenha o discernimento suficiente para dar à “lei” um valor justo, vendo-a apenas como um meio para chegar mais além no compromisso com Deus e com os irmãos. A finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir leis, mas aprofundar a nossa comunhão com Deus e com os outros homens sendo, eventualmente, ajudados nesse processo por “leis” que nos indicam o caminho a seguir.
¨ Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se para nós um fim e não um caminho. Nesse caso, as “leis” serão, em última análise, uma forma de acalmar a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de sentirmos que Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras estabelecidas. Tornamo-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos que somos nós que, com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação. Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d’Ele para apreciar o nosso esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma “justa recompensa”. O culto que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de compra e venda de favores e não uma manifestação do amor que nos enche o coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira, uma negociata, que Deus não aprecia nem pode caucionar.
¨ De acordo com os ensinamentos de Jesus, não é muito religioso ou muito cristão quem aceita todas as “leis” propostas pela Igreja, ou quem cumpre escrupulosamente todos os ritos; mas é cristão verdadeiro aquele que, no seu coração, aderiu a Jesus e procura segui-l’O no caminho do amor e da entrega, que aceita integrar a comunidade dos discípulos, que acolhe com gratidão os dons de Deus, que celebra a fé em comunidade, que aceita fazer com os irmãos uma experiência de amor partilhado.
¨ É isso que Jesus quer dizer quando convida os seus discípulos a não se preocuparem com as leis e os ritos externos, mas a preocuparem-se com o que lhes sai do coração. É no interior do homem que se definem os sentimentos, os desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as ações do homem. É daí que nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e violências que destroem a relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores que nos impedem de perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem escolher caminhos errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham ao nosso lado… A verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a proposta de Homem Novo que Ele nos veio fazer.
¨ É preciso mantermo-nos livres e críticos em relação às “leis” que nos são propostas, sejam elas leis civis ou religiosas... Elas servem-nos e devem ser consideradas se nos ajudarem a ser mais humanos, mais fraternos, mais justos, mais comprometidos, mais coerentes, mais “família de Deus”; elas deixam de servir se geram escravidão, dependência, injustiça, opressão, marginalização, divisão, morte. O processo de discernimento das “leis” boas e más não pode, contudo, ser um processo solitário; mas deve ser um processo que fazemos, com o Espírito Santo, na partilha comunitária, no confronto fraterno com os irmãos, numa procura coerente e interessada do melhor caminho para chegarmos à vida plena e verdadeira.


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

ESCOLHER A CRISTO

21º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

Js 24,1-2a.15-17. 18b; Salmo 33 (34); Ef 5,21-32; Jo 6,60-69

A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Recorda-nos que a nossa existência pode ser gasta a perseguir valores efêmeros e estéreis, ou a apostar nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva, à realização plena. Cada homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
Na primeira leitura, Josué convida as tribos de Israel reunidas em Siquém a escolherem entre “servir o Senhor” e servir outros deuses. O Povo escolhe claramente “servir o Senhor”, pois viu, na história recente da libertação do Egito e da caminhada pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o bem estar e a paz.
O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois grupos de discípulos, com opções diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos, prisioneiro da lógica do mundo, tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e a glória; por isso, recusa a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à ação de Deus e do Espírito, está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida; os membros deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna. É este último grupo que é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos
Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso que a opção por Cristo tem consequências também ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja.

Js 24,1-2a.15-17.18b

ATUALIZAÇÃO

O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o das opções: “escolhei hoje a quem quereis servir” – diz Josué ao Povo reunido. É uma questão que nunca deixará de nos ser posta… Ao longo da nossa caminhada pela vida, vamos fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador e salvador que Israel descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos também, muito frequentemente, com outros deuses e outras propostas que parecem garantir-nos a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de infelicidade. A expressão “escolhei hoje a quem quereis servir” interpela-nos acerca da nossa servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda, às exigências dos valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento público… Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores de escravidão ou incompatíveis com a nossa opção por Deus… Temos, no entanto, que repensar continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não corrermos atrás de falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas falsas de realização e de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode prescindir de Deus e das suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude aqueles que n’Ele confiam que pode encontrar a sua realização plena. Israel aceitou “servir o Senhor” e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do homem… Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe – caminho que somos livres de aceitar ou não – é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projeta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade. Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel fundamental no sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção por Deus. Não é um líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas, mas que desmente com a vida aquilo que diz… É um líder plenamente comprometido com Deus e que testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia ser um exemplo para todos aqueles que têm responsabilidades na condução da comunidade do Povo de Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles que presidem à comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que interpela e que questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida também os responsáveis pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria vida aquilo que ensinam ao Povo.

Salmo 33 (34)
Ef 5,21-32

ATUALIZAÇÃO

O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que Ele veio apresentar mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências em todos os níveis da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. “Os esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afeto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição” (Gaudium et Spes, 52).
Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça… Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).
Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se de pedir que os crentes manifestem total disponibilidade para servir e para dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar vida. O matrimônio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.
Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma palavra que não devemos absolutizar: “submissão”. Esta palavra deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não teria usado este termo para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação de Paulo não pode servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação contra as mulheres… Aliás, Paulo dirá, noutras circunstâncias, que “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” (Gal 3,28).

Jo 6,60-69

ATUALIZAÇÃO

O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das opções que nós, discípulos de Jesus, somos convidados a fazer… Todos os dias somos desafiados pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda, do “politicamente correto”; e todos os dias somos convidados por Jesus a construir a nossa existência sobre os valores do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho… 
É inútil esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e, naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida “morna” e sem exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não dispostos a aderir a Jesus e a segui-l’O no caminho do amor e do dom da vida?
Os “muitos discípulos” de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um caminho de doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo representa esses “discípulos” de Jesus demasiado comprometidos com os valores do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o aplauso da opinião pública… Para estes, as palavras de Jesus “são palavras duras” e a sua proposta de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta categoria de “discípulos” não é tão rara como parece… Em diversos graus, todos nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a radicalidade da proposta de Jesus e de construir a nossa vida com valores mais condizentes com uma visão “light” da existência. É preciso estarmos continuamente numa atitude de vigilância sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o risco de “virar as costas” à proposta de Jesus.
Os “Doze” ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem “palavras que comunicam a vida definitiva”. Eles representam aqueles que não se conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efêmeros e que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a gastar a sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à frustração; representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projecto, acolhem no coração a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em coerência com a opção por Jesus que fizeram no dia do seu Batismo. Atenção: esta opção pelo seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada e constantemente vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência se mantenha.
Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece estar tão preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l’O, quanto com o manter a verdade e a coerência do seu projecto. Ele não faz cedências fáceis para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o Reino de Deus não é um concurso de popularidade… Não adianta escamotear a verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida plena, mas por um caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes tentamos “suavizar” as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos homens do nosso tempo… Temos de ter cuidado para não desvirtuarmos a proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho daquilo que ele tem de verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não é tanto o número de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de radicalidade com que vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.
Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a serenidade com que Jesus encara o “não” de alguns discípulos ao projecto que Ele veio propor. Diante desse “não”, Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa “divergência” de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

ASSUNTA AO CÉU, MARIA ESTÁ MAIS PERTO DE NÓS

SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA ANO B

Ap 11,19ª; 12.1-3-6ª-10ab; 1Cor 15,20-27ª; Lc 1,39-56



Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu… Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas…
Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.
Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!

1ª Leitura do Livro do Apocalipse de São João 11,19a; 12,1-6a.10ab

19aAbriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a arca da Aliança. 12,1Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. 2Estava grávida e gritava em dores de parto, atormentada para dar à luz. 3Então apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão, cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete coroas. 4Com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu, atirando-as sobre a terra. O Dragão parou diante da Mulher que estava para dar à luz, pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse. 5E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. 6aA mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar. 10abOuvi então uma voz forte no céu, proclamando: "Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo".

BREVE COMENTÁRIO

 As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria.
O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores. A Mulher pode representar a Igreja, novo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do baptismo que deve dar à terra uma nova humanidade. O Dragão é o perseguidor, que põe tudo em acção para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em acção para proteger o seu Filho.
Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.

Salmo - 44(45)
À vossa direita se encontra a rainha, com veste esplendente de ouro de Ofir

10b As filhas de reis vêm ao vosso encontro,
ce à vossa direita se encontra a rainha 
com veste esplendente de ouro de Ofir.

11.Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto:
"Esquecei vosso povo e a casa paterna!
12aQue o Rei se encante com vossa beleza!
b Prestai-lhe homenagem: é vosso Senhor!

16Entre cantos de festa e com grande alegria,
ingressam, então, no palácio real".

2ª Leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 15,20-26.28

Irmãos: 20Na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. 21Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a  ressurreição dos mortos. 22Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão. 23Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. 24A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força. 25Pois é preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. 26O último inimigo a ser destruído é a morte. 28E, quando todas as coisas estiverem submetidas a ele, então o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos. 

BREVE COMENTÁRIO

A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão. Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida. O apóstolo não evoca Maria, mas se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.

EVANGELHO – Lc 1,39-56

39Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa,dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judéia. 40Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Com um grande grito, exclamou: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!" 43Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? 44Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu". 46Maria disse: "A minha alma engrandece o Senhor, 47e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, 48pois, ele viu a pequenez de sua serva, eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita. 49O Poderoso fez por mim maravilhas e Santo é o seu nome! 50Seu amor, de geração em geração, chega a todos que o respeitam. 51Demonstrou o poder de seu braço, dispersou os orgulhosos. 52Derrubou os poderosos de seus tronos e os humildes exaltou. 53De bens saciou os famintos despediu, sem nada, os ricos. 54Acolheu Israel, seu servidor, fiel ao seu amor, 55como havia prometido aos nossos pais,em favor de Abraão e de seus filhos, para sempre". 56Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa.

BREVE COMENTÁRIO

O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: “dispersou os soberbos, exaltou os humildes”. Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.
 Rezar por Maria.
Frequentemente, ouvimos a expressão: “rezar à Virgem Maria”… Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: “Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!” A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa “advogada” e diz-nos: “Fazei tudo o que Ele vos disser!”
Rezar com Maria.
Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: “Eis o teu Filho!” Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.
Rezar como Maria.
Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que “guardava e meditava no seu coração” os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: “que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!”

terça-feira, 4 de agosto de 2015

JESUS, PÃO DA VIDA

19º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

Rs (19,4-8); Salmo 33 (34); Ef (4,30-5,2); Ev Jo (6,41-51)


 A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da preocupação de Deus em oferecer aos homens o “pão” da vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.
A primeira leitura mostra como Deus Se preocupa em oferecer aos seus filhos o alimento que dá vida. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
O Evangelho apresenta Jesus como o “pão” vivo que desceu do céu para dar a vida ao mundo. Para que esse “pão” sacie definitivamente a fome de vida que reside no coração de cada homem ou mulher, é preciso “acreditar”, isto é, aderir a Jesus, acolher as suas propostas, aceitar o seu projeto, segui-l’O no “sim” a Deus e no amor aos irmãos.
A segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o “pão” da vida… Quando alguém acolhe Jesus como o “pão” que desceu do céu, torna-se um Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver na caridade, a exemplo de Cristo.
1ª LEITURA – Rs (19,4-8)

Naqueles dias, Elias entrou deserto adentro e caminhou o dia todo. Sentou-se finalmente debaixo de um junípero e pediu para si a morte, dizendo: “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor que meus pais”. E, deitando-se no chão, adormeceu a sombra do junípero. De repente, um anjo tocou-o e disse: “Levanta-te e come!” Ele abriu os olhos e viu junto à sua cabeça um pão assado debaixo da cinza e um jarro de água. Comeu, bebeu e tornou a dormir. Mas o anjo do Senhor veio pela segunda vez, tocou-o e disse: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”. Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter de continuar. “Este” Elias testemunha essa condição de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética. É um quadro que todos nós conhecemos bem… A nossa experiência profética está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta… Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da decepção?
• O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n’Ele que temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.
• Como nota marginal, atentemos na forma de atuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do profeta, nem Se substitui ao profeta… O profeta deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus “apenas” alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu… O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua ação a nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que precisamos d’Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.
• A “peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa “paragem” não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Provai e vede quão suave é o Senhor!
Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo,
seu louvor estará sempre em minha boca.
Minha alma se gloria no Senhor;
que ouçam os humildes e se alegrem!  
Comigo engrandecei ao Senhor Deus,
exaltemos todos juntos o seu nome!
Todas as vezes que o busquei, ele me ouviu,
e de todos os temores me livrou.
Contemplai a sua face e alegrai-vos,
e vosso rosto não se cubra de vergonha!
Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido,
e o Senhor o libertou de toda angústia.
O anjo do Senhor vem acampar
ao redor dos que o temem, e os salva.
Provai e vede quão suave é o Senhor!
Feliz o homem que tem nele seu refúgio!
2ª LEITURA - Ef (4,30-5,2)
Irmãos: não contristeis o Espírito Santo com o qual Deus vos marcou como com um selo para o dia da libertação. Toda a amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de vós, como toda espécie de maldade. Sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor.
ATUALIZAÇÃO
• Pelo Batismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O Batismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito “como o Pai do céu é perfeito” (cf. Mt 5,48)?
• Para os batizados, o modelo do “Filho amado de Deus” que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projetos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites… Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse “modelo” que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos irmãos?
• Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má-lingua, a inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses “vícios” são manifestações do “homem velho” que não cabem na existência de um “filho de Deus”, cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Batismo e a cortar a nossa relação com a família de Deus.
EVANGELHO – Jo (6,41-51)
Naquele tempo, os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do céu”. Eles comentavam: “Não é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?” Jesus respondeu: “Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos Profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído, vem a mim. Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.
ATUALIZAÇÃO
• Repetindo o tema central do texto que refletimos no passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o “pão” de Deus que desceu do céu para dar a vida aos homens… Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um fato que condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d’Ele que construímos a nossa existência? O projeto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?
• “Quem acredita em Mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus. “Acreditar” não é, neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas a propósito da sua mensagem… “Acreditar” é aderir, de fato, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos projetos do Pai, segui-l’O no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objetividade, que “acredito” em Jesus?
• No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem…
• Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l’O como “o pão que desceu do céu”? Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância. Esta “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós temos alguma tendência para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das idéias política ou religiosamente corretas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas idéias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer a vida em abundância.

terça-feira, 28 de julho de 2015

JESUS, ALIMENTO DE VIDA E LIBERDADE

18º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

Ex 16,2-4.12-15; Salmo 77 (78); Ef 4,17.20-24; Jo 6,24-35

A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna e definitiva.
A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o “pão” da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
1ª LEITURA – Ex 16,2-4.12-15
Naqueles dias: A comunidade dos filhos de Israel pôs-se a murmurar contra Moisés e Aarão, no deserto, dizendo: 'Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito,  quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente?' O Senhor disse a Moisés: 'Eis que farei chover para vós o pão do céu. O povo sairá diariamente e só recolherá a porção de cada dia a fim de que eu o ponha à prova, para ver se anda ou não na minha lei.'Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel. Dize-lhes, pois: 'Ao anoitecer, comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão. Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus' '. Com efeito, à tarde, veio um bando de codornizes e cobriu o acampamento; e, pela manhã, formou-se uma camada de orvalho ao redor do acampamento. Quando se evaporou o orvalho que caíra, apareceu na superfície do deserto uma coisa miúda, em forma de grãos, fina como a geada sobre a terra. Vendo aquilo, os filhos de Israel disseram entre si: 'Que é isto?' Porque não sabiam o que era. Moisés respondeu-lhes: 'Isto é o pão que o Senhor vos deu como alimento.
ATUALIZAÇÃO
• Mais uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores. Para Deus, “alimentar” o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e da felicidade… Ele vai conosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar incondicionalmente n’Ele.
• As “saudades” que os israelitas sentem do Egito, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso mundo… É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade daqueles que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas cômodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer e a dar passos firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova… E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
• A idéia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da vida definitiva.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)
O Senhor deu a comer o pão do céu.
Tudo aquilo que ouvimos e aprendemos,*
e transmitiram para nós os nossos pais,
não haveremos de ocultar a nossos filhos,
mas à nova geração nós contaremos:*
As grandezas do Senhor e seu poder.
Ordenou, então, às nuvens lá dos céus,*
e as comportas das alturas fez abrir;
fez chover-lhes o maná e alimentou-os,*
e lhes deu para comer o pão do céu.
O homem se nutriu do pão dos anjos,*
e mandou-lhes alimento em abundância;
Conduziu-os para a Terra Prometida,*
para o Monte que seu braço conquistou.
2ª LEITURA – Ef 4,17.20-24
Irmãos: Eis pois o que eu digo e atesto no Senhor: não continueis a viver como vivem os pagãos, cuja inteligência os leva para o nada. Quanto a vós, não é assim que aprendestes Cristo, se ao menos foi bem ele que ouvistes falar, e se é ele que vos foi ensinado, em conformidade com a verdade que está em Jesus. Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade.
ATUALIZAÇÃO
• O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente, de acordo com valores diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontramos Cristo, fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso Batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora, até chegarmos ao homem novo.
• Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do homem velho… O homem velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda…), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar outros valores que nos escravizam?
• Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem novo. O homem novo é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu “projeto” de vida? Os meus gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que vive em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?
• Todos nós, no dia do nosso Batismo, optamos pelo homem novo… É preciso, no entanto, termos consciência que a construção do homem novo nunca é um processo acabado… A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a cada esquina e toma conta de nós… Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. O cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios sempre novos de Deus.
EVANGELHO João 6,24-35
Naquele tempo: Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas  e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: 'Rabi, quando chegaste aqui?' Jesus respondeu: 'Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo'. Então perguntaram: 'Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?' Jesus respondeu: 'A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou'. Eles perguntaram: 'Que sinal realizas,  para que possamos ver e crer em ti?' Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: 'Pão do céu deu-lhes a comer'. Jesus respondeu: 'Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo'. Então pediram: 'Senhor, dá-nos sempre desse pão'. Jesus lhes disse: 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede.
ATUALIZAÇÃO
• O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efêmeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência… Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efêmeros que não chegam para “encher” totalmente a nossa vida e para lhe dar um sentido pleno. Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de vida?
• Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
• O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-l’O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou atos institucionais que nos fazem constar dos livros de registro da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.
• No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimônio na Igreja porque, assim, a cerimônia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida cômoda e tranquila; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais… A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o “pão” que nos dá vida.
• A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus atua na vida do homem de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.