segunda-feira, 16 de março de 2015

QUEREMOS VER JESUS

5º DOMINGO DA QUARESMA ANO B

Jer 31, 31-34; Salmo 50 (51); Heb 5, 7-9; Jo 12, 20-33


Na liturgia do 5º Domingo Comum ecoa, com insistência, a preocupação de Deus no sentido de apontar ao homem o caminho da salvação e da vida definitiva. A Palavra de Deus garante-nos que a salvação passa por uma vida vivida na escuta atenta dos projetos de Deus e na doação total aos irmãos.

Na primeira leitura, Jahwéh apresenta a Israel a proposta de uma nova Aliança. Essa Aliança implica que Deus mude o coração do Povo, pois só com um coração transformado o homem será capaz de pensar, de decidir e de agir de acordo com as propostas de Deus.

A segunda leitura apresenta-nos Jesus Cristo, o sumo-sacerdote da nova Aliança, que Se solidariza com os homens e lhes aponta o caminho da salvação. Esse caminho (e que é o mesmo caminho que Jesus seguiu) passa por viver no diálogo com Deus, na descoberta dos seus desafios e propostas, na obediência radical aos seus projetos.

O Evangelho convida-nos a olhar para Jesus, a aprender com Ele, a segui-l’O no caminho do amor radical, do dom da vida, da entrega total a Deus e aos irmãos. O caminho da cruz parece, aos olhos do mundo, um caminho de fracasso e de morte; mas é desse caminho de amor e de doação que brota a vida verdadeira e eterna que Deus nos quer oferecer.

1ª Leitura – Jer 31, 31-34
Leitura do Livro de Jeremias

Dias virão, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova. Não será como a aliança que firmei com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão para os tirar da terra do Egito, aliança que eles violaram, embora Eu exercesse o meu domínio sobre eles, diz o Senhor. Esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel, naqueles dias, diz o senhor: Hei-de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Não terão já de se instruir uns aos outros, nem de dizer cada um a seu irmão: «Aprendei a conhecer o Senhor». Todos eles Me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, diz o Senhor. Porque vou perdoar os seus pecados e não mais recordarei as suas faltas.

MENSAGEM

Deus está disposto a firmar uma nova Aliança com o seu Povo. Essa Aliança será, contudo, diferente da Aliança do Sinai.
A Aliança do Sinai foi uma Aliança externa, gravada em tábuas de pedra e que o Povo nunca interiorizou devidamente. Apresentava leis que o Povo devia cumprir; mas essas leis eram sempre leis externas, que não atingiram o coração do Povo nem mudaram substancialmente a sua maneira de ser. Por isso, o Povo de Deus continuou a trilhar caminhos de infidelidade a Deus, de injustiça, de auto-suficiência, de pecado. O Povo de Deus aderiu à Aliança do Sinai, mas mais com a boca do que com o coração. Ora, sem uma adesão efetiva, uma adesão do coração, era impossível manter a fidelidade aos mandamentos e exigências dessa Aliança.

Constatada a falência da antiga Aliança, Deus vai seguir outro caminho e propor uma nova Aliança que se fundamente noutras bases… Em concreto, Deus vai intervir no sentido de gravar as suas leis e preceitos no coração, no íntimo de cada membro do Povo. Na antropologia semita, o coração é, além da sede dos sentimentos, a sede dos pensamentos, dos projetos, das decisões e das ações do homem; é o centro do ser, onde o homem dialoga consigo mesmo, toma as suas decisões, assume as suas responsabilidades. Portanto, a iniciativa de Deus irá possibilitar que as exigências da Aliança sejam interiorizadas por cada membro do Povo de Deus e que estejam presentes nessa sede onde nascem os pensamentos, onde se definem os valores, onde se decidem as ações. 

Com um “coração” assim transformado (isto é, que pensa, que decide e que age segundo os esquemas e a lógica de Deus), cada crente poderá viver na fidelidade à Aliança, na obediência aos mandamentos, no respeito pelas leis, no amor a Jahwéh. Então, Jahwéh será, efetivamente, o Deus de Israel; Israel será, verdadeiramente, o Povo que vive de acordo com as propostas de Deus e que testemunha Deus no meio do mundo.

Com esse novo tipo de relação, Jahwéh não será mais um “desconhecido” para o seu Povo. Entre Deus e Israel será possível o estabelecimento de uma relação pessoal de proximidade, de intimidade, de familiaridade. A comunhão com Jahwéh não será uma lição dificilmente aprendida, mas algo de inato e natural, que brota de um coração em permanente diálogo com Deus.

Na última frase do nosso texto, Deus anuncia o perdão para as faltas do seu Povo: um perdão total e sem reservas é o primeiro resultado desta nova relação que se vai estabelecer entre Deus e o seu Povo. Também nisto se manifesta o “amor eterno” de Deus.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 50 (51) 
Refrão: Dai-me, Senhor, um coração puro.

Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniquidade
e purificai-me de todas as faltas.

Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.

Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Ensinarei aos pecadores os vossos caminhos
e os transviados hão-de voltar para Vós.

2ª Leitura – Heb 5, 7-9
Leitura da Epístola aos Hebreus

Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna.

MENSAGEM

Cristo, apesar de Filho de Deus, foi um homem que viveu entre os homens e que experimentou a fragilidade e a debilidade dos homens. Sofreu, chorou, sentiu angústia e medo diante da morte, como qualquer homem (o autor alude, provavelmente, à oração de Jesus no Monte das Oliveiras, pouco antes de ser preso – cf. Mc 14,36). Por isso, Jesus é o sumo-sacerdote, capaz de compreender as fraquezas e as fragilidades dos homens. A partir dessa compreensão, Ele será também capaz de dar-lhes remédio.

O sacerdócio de Jesus realizou-se num permanente diálogo com o Pai. Ele procurou sempre, através de uma oração intensa, discernir e cumprir a vontade do Pai. Mesmo nos momentos mais duros e difíceis da sua existência terrena, Ele escutou o Pai, manteve a sua adesão incondicional ao Pai, manifestou a sua total disponibilidade para cumprir o projeto de salvação que o Pai queria, através d’Ele, oferecer aos homens. Desta forma, Jesus, na oração e pela oração que acompanha a sua vida inteira (e especialmente os momentos dramáticos da paixão e morte), converteu toda a sua existência numa oferenda ao Pai, num “sacrifício” de doação ao Pai. Ao fazer da sua vida um dom, uma entrega total, um “sacrifício”, Ele realizou o projeto de refazer a comunhão entre Deus e os homens. Com a sua obediência, Ele ensinou os homens a viver em comunhão total com Deus, a cumprir os projetos de Deus e a amar os irmãos até ao dom total da vida; com a sua obediência, Ele eliminou o egoísmo e o pecado que afastavam os homens de Deus. Sendo, pela sua comunhão total com o Pai e com os homens, o modelo de Homem Novo, Ele tornou-se, para todos aqueles que escutaram a sua mensagem e que O seguiram, “fonte de salvação eterna” (vers. 9). 

Jesus Cristo é, portanto, o sumo-sacerdote da nova Aliança. Ele conhece e entende as fragilidades dos homens e está apto a oferecer-lhes a ajuda necessária para que possam alcançar a salvação. Cumprindo integralmente o projeto do Pai, Jesus mostra aos homens que o caminho da salvação está na comunhão com Deus, na obediência radical aos projetos de Deus e no dom da vida aos irmãos. Jesus é, assim, um sumo-sacerdote que proporciona eficazmente aos homens a salvação, levando-os ao encontro de Deus e da vida plena.

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 12,26

Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Se alguém Me quiser servir, que Me siga, diz o Senhor, e onde Eu estiver, ali estará também o meu povo.

EVANGELHO – Jo 12, 20-33
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, alguns gregos que tinha vindo a Jerusalém para adorar nos dias da festa, foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido: «Senhor, nós queríamos ver Jesus». Filipe foi dizê-lo a André; e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. Jesus respondeu-lhes: «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só;
mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome».

MENSAGEM

Os “gregos” vieram a Jerusalém “adorar” a Deus no Templo; mas quiseram encontrar-se com Jesus, conhecer Jesus e o seu projeto, tomar contacto com a salvação que Ele veio oferecer (queriam “ver Jesus” – vers. 21). Com isto, o autor do Quarto Evangelho sugere que o Templo e o culto antigo já não são mais os lugares onde o homem encontra Deus e a salvação; agora, quem estiver interessado em encontrar a verdadeira libertação deve dirigir-se ao próprio Jesus. Por outro lado, a salvação/libertação que Jesus veio trazer tem um alcance universal e destina-se a todos os homens – mesmo àqueles que vivem fora das fronteiras físicas de Israel (“gregos”). 

Estes “gregos” não se dirigem diretamente a Jesus, mas aos discípulos. Haverá aqui, talvez, um aceno à responsabilidade missionária da comunidade de Jesus, encarregada da missão de levar Jesus a todos os povos da terra. O facto de Filipe falar primeiro com André e só depois os dois irem contar o que se passa a Jesus reflete a dificuldade com que as primeiras comunidades cristãs deram o passo para a evangelização dos pagãos. João quer, provavelmente, sugerir que a decisão de integrar os pagãos na comunidade de Jesus não é uma decisão individual, mas uma decisão que a comunidade tomou depois de haver consultado o Senhor.

Quem vai ao encontro de Jesus, o que é que vai encontrar? Um messias aclamado pelas multidões, preocupado em gerir a carreira e em manter a todo o custo o seu clube de fãs, que faz prodígios de equilíbrio para não desagradar às autoridades constituídas e não arruinar as suas hipóteses de êxito?

No horizonte próximo de Jesus, está apenas a cruz (a “hora”). Ele está consciente de que vai sofrer uma morte violenta e maldita, e que todos o vão abandonar como um fracassado. Paradoxalmente, Ele está consciente, também, que nessa cruz se manifestará a “glória” do Filho do Homem.

A morte de Jesus não é um momento isolado, mas o culminar de um processo de doação total de Si mesmo, que se iniciou quando “o Verbo Se fez carne e montou a sua tenda no meio dos homens” (Jo 1,14); é o último ato de uma vida de entrega total aos projetos de Deus, feita amor até ao extremo. Durante toda a sua existência terrena, Jesus procurou, em cada palavra e em cada gesto, tornar o homem livre de todas as opressões, dotá-lo de dignidade, dar-lhe vida em plenitude. Dessa forma, despolitizou o ódio do sistema opressor, interessado em manter o homem escravo. Sem se assustar com a perspectiva da morte, cumprindo até ao fim o projeto libertador de Deus em favor do homem, Jesus levou avante a sua luta pela libertação da humanidade. A sua morte é a consequência do seu confronto com as forças da morte que dominavam o mundo.

Por outro lado, ao dar a vida por amor, Jesus deixa aos seus discípulos a última e a suprema lição, a lição final que eles devem aprender. Com a morte de Jesus na cruz, os discípulos aprendem o amor até ao extremo, o dom total da vida, a entrega radical aos projetos de Deus e à libertação dos irmãos.

O que é que nasce deste “dom” de Jesus? Nasce uma nova humanidade. É uma humanidade que Jesus libertou da opressão, da injustiça, dos mecanismos que geram sofrimento e medo… E é uma humanidade que venceu o egoísmo e que aprendeu que a vida é para ser dada, sem limites, por amor. Não há dúvida que o dom da vida dá abundantes frutos de vida. Na cruz de Jesus manifesta-se, portanto, o projeto libertador de Deus para os homens.

Quem quiser “conhecer” Jesus deve olhar para esse Homem que põe totalmente a sua vida ao serviço dos projetos de Deus e que morre na cruz para ensinar aos homens o amor sem limites. Deve aprender essa verdade que, para Jesus, é evidente: não se pode gerar vida (para si próprio e para os outros), sem entregar a própria vida. A vida nasce do amor, do amor total, do amor que se dá até às últimas consequências. Só o amor como dom total é fecundo e gerador de vida (“em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo caído na terra não morrer, permanece só; se morrer, produz muito fruto” – vers. 24). Quem se ama a si mesmo e se fecha num egoísmo estéril, quem se preocupa apenas com defender os seus interesses e perspectivas, perde a oportunidade de chegar à vida verdadeira, à salvação. O apego egoísta à própria vida levará ao medo de agir, à dificuldade em comprometer-se, ao silêncio perante a injustiça – em suma, a uma vida de medo e de opressão, que é infecunda e não vale a pena ser vivida. Ao contrário, quem é totalmente livre do medo, quem se esquece dos seus próprios interesses e seguranças e se compromete com a luta pela justiça, pelos direitos, pela dignidade e liberdade do homem, quem ama tanto os outros que entrega a sua vida por eles, esse dará frutos de vida e viverá uma vida plena, que nem a morte calará. É esta vida que tem sentido e que leva o homem à realização plena.
Jesus viveu esta dinâmica da vida dada por amor, sem medo de enfrentar o “mundo” – isto é, sem medo de enfrentar esse sistema de opressão e de injustiça que pensava poder manter os homens escravos através do medo da morte. Jesus está livre desse medo e, portanto, está livre para amar totalmente. Àqueles que querem “ver Jesus” e conhecer o seu projeto, Ele propõe o mesmo caminho – o caminho do amor e da entrega total. Ser discípulo é colaborar com Jesus na libertação dos homens que ainda são escravos, mesmo que isso signifique enfrentar as forças de opressão do “mundo” e enfrentar a própria morte (“se alguém Me quer servir, siga-Me” – vers. 26a).

Quem aceitar esta proposta permanece unido a Jesus, entra na comunidade de Deus (vers. 26b). Poderá ser desprezado pelo “mundo”; mas será honrado por Deus e acolhido como seu filho (vers. 26c).

O nosso texto termina com a “voz do céu” que glorifica Jesus (vers. 28-32). É uma forma de mostrar que o caminho de Jesus tem o selo de garantia de Deus. A “voz do céu” assegura que a forma de viver proposta por Jesus é verdadeira e que Deus garante a sua autenticidade. Confirma-se, desta forma, aos discípulos que oferecer a vida por amor não é um caminho de fracasso e de morte, mas um caminho de glorificação e de vida.


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