segunda-feira, 9 de março de 2015

DEUS É FIEL Á ALIANÇA

4º DOMINGO DA QUARESMA ANO B

2 Cr 36,14-16.19-23; Salmo 136 (137); Ef 2, 4-10; Jo 3, 14-21

A liturgia do 4º Domingo da Quaresma garante-nos que Deus nos oferece, de forma totalmente gratuita e incondicional, a vida eterna.

A primeira leitura diz-nos que, quando o homem renuncia a Deus e escolhe caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, está a construir um futuro marcado por horizontes de dor e de morte. No entanto, Deus dá sempre ao seu Povo outra possibilidade de recomeçar, de refazer o caminho da esperança e da vida nova.

A segunda leitura nos ensina que Deus ama o homem com um amor total, incondicional,  e imenso; é esse amor que levanta o homem da sua condição de fraqueza e limitado e que lhe oferece esse mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim que está no horizonte final da nossa existência.

No Evangelho, João recorda-nos que Deus nos amou de tal forma que enviou o seu Filho único ao nosso encontro para nos oferecer a vida eterna. Somos convidados a olhar para Jesus, a aprender com Ele a lição do amor total, a percorrer com Ele o caminho da entrega e do dom da vida. É esse o caminho da salvação, da vida plena e definitiva.


1ª Leitura – 2 Cr 36,14-16.19-23
Leitura do Segundo Livro das Crônicas

Naqueles dias, todos os príncipes dos sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades, imitando os costumes abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém. O Senhor, Deus de seus pais, desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros, pois queria poupar o povo e a sua própria morada. Mas eles escarneciam dos mensageiros de Deus, desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas, a tal ponto que deixou de haver remédio, perante a indignação do Senhor contra o seu povo. Os caldeus incendiaram o templo de Deus, demoliram as muralhas de Jerusalém. Lançaram fogo aos seus palácios e destruíram todos os objectos preciosos. O rei dos caldeus deportou para Babilônia todos os que tinham escapado ao fio da espada; e foram escravos deles e de seus filhos, até que se estabeleceu o reino dos persas. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias: «Enquanto o país não descontou os seus sábados, esteve num sábado contínuo, durante todo o tempo da sua desolação, até que se completaram setenta anos». No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, para se cumprir a palavra do Senhor, pronunciada pela boca de Jeremias, o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia, que mandou publicar, em todo o seu reino, de viva voz e por escrito, a seguinte proclamação: «Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra e Ele próprio me confiou o encargo de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá. Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele». 

MENSAGEM

A destruição de Jerusalém, o incêndio do Templo e a deportação do Povo de Deus para a Babilônia são vistas pelo Cronista como o resultado lógico dos pecados da nação. “Os chefes de Judá, os sacerdotes e o Povo multiplicaram as suas infidelidades” (vers. 14); ignoraram os avisos enviados por Deus por intermédio dos profetas e desdenharam os seus apelos… Então, a ira do Senhor abateu-se sem remédio sobre o seu Povo (vers. 15-16). O próprio tempo que o Exílio durou (e que o autor situa num número não muito exato, mas simbólico de 70 anos – isto é, de dez vezes sete) é visto como um grande jubileu forçado por Deus, um tempo de compensação por todos esses sábados (sétimos dias) que o Povo não respeitou e nos quais não cumpriu as suas obrigações para com Jahwéh. A “terra de Deus”, martirizada pela injustiça e pelo pecado, deve descansar durante setenta anos, até que seja renovada e volte a ser de novo a “casa” do Povo de Deus (vers. 21).

Por detrás desta leitura da história, está uma noção um tanto ou quanto primitiva da justiça de Deus: quando o Povo vive na fidelidade à Aliança e aos mandamentos, Deus oferece-lhe vida e felicidade; quando o Povo é infiel aos compromissos assumidos, conhece morte e desgraça.

De qualquer forma, o Cronista está consciente de que o castigo não é a última palavra de Deus. Os últimos versículos (vers. 22-23 – que são uma versão resumida de Esd 1,1-4) apontam no sentido da esperança e de um recomeço. Por detrás da referência à libertação operada por Ciro e ao édito que autoriza os habitantes de Judá a regressar à sua terra, está a idéia de um Deus que não abandona o seu Povo e que continua a dar-lhe, em cada momento da história, a possibilidade de recomeçar.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 136 (137) 
Refrão: Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua.

Sobre os rios de Babilônia nos sentamos a chorar,
com saudades de Sião.
Nos salgueiros das suas margens,
dependuramos nossas harpas.

Aqueles que nos levaram cativos
queriam ouvir os nossos cânticos
e os nossos opressores uma canção de alegria:
«Cantai-nos um cântico de Sião».

Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor
em terra estrangeira?
Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
esquecida fique a minha mão direita.

Apegue-se-me a língua ao paladar,
se não me lembrar de ti,
se não fizer de Jerusalém
a maior das minhas alegrias.

2ª Leitura – Ef 2, 4-10
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

Irmãos:  Deus, que é rico em misericórdia, pela grande caridade com que nos amou, a nós, que  estávamos mortos por causa dos nossos pecados, restituiu-nos à vida em Cristo – é pela graça que fostes salvos – e com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus, para mostrar aos séculos futuros a abundante riqueza da sua graça e da sua bondade para conosco, em Cristo Jesus. De fato, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé. A salvação não vem de vós: é dom de Deus. Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar.Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus, em vista das boas obras que Deus de antemão preparou, como caminho que devemos seguir. 

MENSAGEM

Deus é rico em misericórdia e ama o homem com um amor imenso. Por isso, à situação pecadora do homem, Deus responde com a sua graça (vers. 4). O amor salvador e libertador de Deus não é um amor condicional, que só se derrama sobre o homem se e quando o homem se converte; mas é um amor incondicional, que atinge o homem mesmo quando ele continua a percorrer caminhos de pecado e de morte (vers. 5).

A esse homem orgulhoso e auto-suficiente, instalado no egoísmo e no pecado, Deus ofereceu uma nova vida, ressuscitando-o e sentando-o com Cristo no céu (“nos ressuscitou e nos fez sentar no céu com Cristo Jesus” – vers. 6). Repare-se neste pormenor: o autor da Carta aos Efésios não se refere à ressurreição do homem e à sua glorificação como uma coisa futura, mas como uma coisa passada (ele usa o tempo grego do aoristo, que tem significado de passado). No entanto, essa ação passada afeta o presente e tem implicações no presente… Unido a Cristo, o cristão já ressuscitou e já foi glorificado; ele continua a viver na terra, sujeito à finitude e às limitações da vida presente mas é já, aqui e agora, um cidadão do céu. Na verdade, Deus já introduziu na débil e frágil natureza humana os dinamismos da vida eterna. A vida do cristão está, consequentemente, marcada pela dupla condição da fragilidade e da eternidade. Apesar dos seus limites e da sua debilidade, o cristão tem de testemunhar e anunciar essa vida nova que Deus já lhe ofereceu nesta terra.

Em toda esta exposição há um elemento incontornável e ao qual o autor da Carta aos Efésios dá uma grande importância: a gratuidade da ação salvadora de Deus. A salvação não é uma conquista do homem, nem resulta das obras ou dos méritos do homem, mas é puro dom de Deus. Portanto, não há aqui lugar para qualquer sentimento de orgulho ou para qualquer atitude de auto-glorificação. A salvação é uma oferta gratuita que Deus faz ao homem, mesmo que o homem não a mereça (vers. 9).

Da oferta de salvação que Deus faz ao homem, nasce um homem novo, que pratica boas obras. As boas obras não são a condição para se receber a salvação, mas o resultado da ação dessa graça que Deus, no seu amor e na sua bondade, derrama gratuitamente sobre o homem (vers. 10).

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 3,16
Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho Unigênito:
quem acredita n’Ele tem a vida eterna.

EVANGELHO: Jo 3, 14-21
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou em nome do Filho Unigênito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus.

MENSAGEM

No texto que nos é proposto, Jesus começa por explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto quando os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – cf. Nm 21,8-9). A imagem do “levantamento” de Jesus refere-se, naturalmente, à cruz – passo necessário para chegar à exaltação, à vida definitiva. É aí que Jesus manifesta o seu amor e que indica aos homens o caminho que eles devem percorrer para alcançar a salvação, a vida plena (vers. 14).

Aos homens é sugerido que acreditem no “Filho do Homem” levantado na cruz, para que não pereçam mas tenham a vida eterna. “Acreditar” no “Filho do Homem” significa aderir a Ele e à sua proposta de vida; significa aprender a lição do amor e fazer, como Jesus, dom total da própria vida a Deus e aos irmãos (vers. 15). É dessa forma que se chega à “vida eterna”.
Depois destas afirmações gerais, o autor do Quarto Evangelho vai entrar em afirmações mais detalhadas. O que é que significa, exatamente, a cruz de Jesus? Como é que a cruz gera vida definitiva para o homem?
Jesus, o “Filho único” enviado pelo Pai ao encontro dos homens para lhes trazer a vida definitiva, é o grande dom do amor de Deus à humanidade. A expressão “Filho único” evoca, provavelmente, o “sacrifício de Isaac” (cf. Gn 22,16): Deus comporta-se como Abraão, que foi capaz de desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a Deus; no caso de Deus, amor aos homens)… Jesus, o “Filho único” de Deus, veio ao mundo para cumprir os planos do Pai em favor dos homens. Para isso, encarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como consequência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da morte que escravizam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz é o último ato de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega. A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. Ela dá-nos a dimensão do incomensurável amor de Deus por essa humanidade a quem Ele quer oferecer a salvação (vers. 16).

Qual é o objetivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus – o “Filho único” que morreu na cruz – os homens aprendem que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos irmãos, por amor.
Ao enviar ao mundo o seu “Filho único”, Deus não tinha uma intenção negativa, mas uma intenção positiva. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens – a todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos (vers. 17).

Reparemos neste fato notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.

Diante da oferta de salvação que Deus faz, o homem tem de fazer a sua escolha. Quando o homem aceita a proposta de Jesus e adere a Ele, escolhe a vida definitiva; mas quando o homem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, rejeita a proposta de Deus e auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prêmio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não recai, assim, sobre Deus, mas sobre o homem (vers. 18).

De acordo com a perspectiva de João, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há-de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.

Na parte final do nosso texto (vers. 19-21), João repete o tema da opção pela vida (Jesus) ou pela morte. Ele constata que, por vezes, os homens rejeitam a proposta de Deus e preferem a escravidão e as trevas (o egoísmo, a injustiça, o orgulho, a auto-suficiência, tudo o que torna o homem infeliz e lhe impede o acesso à vida definitiva). Ao contrário, quem pratica as obras do amor (as obras de Jesus), escolhe a luz, identifica-se com Deus e dá testemunho de Deus no meio do mundo.

Em resumo: porque amava a humanidade, Deus enviou o seu Filho único ao mundo com uma proposta de salvação. Essa oferta nunca foi retirada; continua aberta e à espera de resposta. Diante da oferta de Deus, o homem pode escolher a vida eterna, ou pode excluir-se da salvação.


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