ELES VOS PRECEDERÃO DO REINO DE DEUS
Ezequiel 18,25-28 - Salmo 24(25) - Filipenses 2,1-11 - Mateus 21,28-32
A Eucaristia que celebramos neste
“Domingo dos dois filhos”, mostra-nos que o arrependimento é a capacidade de
rever nosso comportamento, para que assim possamos conservar a nossa própria
vida e a vida dos outros. Neste dia da Bíblia, celebramos a Páscoa de Jesus
Cristo que se manifesta em todas as pessoas e comunidades que procuram viver a
obediência à Palavra de Deus.
Situando-nos brevemente
Somos desafiados na celebração de hoje
a mostrar quem somos diante de Jesus e diante das pessoas. Se não assumirmos um
compromisso efetivo com ele, não teremos parte no banquete do seu Reino. E
humildemente nos reconhecemos na antífona de entrada da celebração: “Senhor, tudo
o que fizeste conosco, com razão o fizestes, pois pecamos contra vós e não
obedecemos aos vossos mandamentos”.
Ezequiel nos ensina a não culpar Deus
por nossos erros. O mundo e a sociedade são o campo onde o Pai nos pede um
compromisso com a justiça do Reino. Dizer sim a Deus significa fazer a vontade
de Deus e ser acolhido no seu Reino.
A Páscoa semanal, vivenciada neste
“domingo dos dois filhos”, nos motiva a dar graças ao Pai, por Jesus, o Filho que
“humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz”. Exaltado pelo Pai
tornou-se fonte de vida e salvação para os que aceitam entrar em seu caminho.
Neste dia da Bíblia, celebramos a
Páscoa de Jesus Cristo que se revela nas pessoas que procuram viver o
discipulado, obedientes à Palavra de Deus. Além da Liturgia da Palavra, parte
integrante da liturgia cristã e constituindo com o rito eucarístico um só ato
de culto (cf. Sacrosanctum Concilium, n.56), toda a celebração, como memorial
do mistério pascal de Jesus, no hoje de nossa vida, está inserida no conjunto
da História da Salvação, da qual a Bíblia dá incomparável testemunho.
Recordando a Palavra
A
primeira leitura está no contexto do Exílio da Babilônia. O povo acusa Deus de injusto e de
agir incorretamente. Entre o povo havia a idéia de que o pecado marcava para
sempre a vida e a descendência de quem pecava.
Não é uma fatalidade, nem Deus é o
culpado da morte do pecador. O profeta, como porta-voz de Deus, mostra que a
salvação de uma pessoa não depende de seus antepassados e parentes. O que
importa é a disposição do coração no momento presente. Deus nos julga conforme
o que somos hoje. Nunca é tarde para nos arrependermos, porque Deus quer a vida
para todos.
O
Salmo 24 (25), uma
súplica de uma pessoa com bastante idade, pede duas coisas: perdão dos seus
desvios na juventude e a libertação das mãos do inimigo. Recorda a Aliança com
várias palavras: caminho, direito, amor e verdade, aliança, preceitos… Deus é o
aliado do pobre explorado e oprimido. O salmista tem muita confiança em pedir e
certeza de ser atendido, porque o Senhor é piedade, misericórdia e bondade sem
limites.
Filipos, comunidade dividida, por causa do
espírito de competição e egoísmo, foi a primeira cidade da Europa a receber a
mensagem cristã, entre os anos 55-57. Paulo apresenta Jesus como modelo de
filho fiel e obediente que se torna servo. Convida os que se dizem seguidores
dele a terem “o mesmo sentimento que existe em Cristo Jesus”.
E para convencer, introduz na sua
exortação um belo hino, composto naqueles anos, que era conhecido e cantado em
muitas comunidades (vv. 6-11). O hino canta a história de Jesus que,
encarnando-se, não perdeu a sua natureza divina; esta permaneceu como que
escondida sob a forma humana que ele assumia.
O
Evangelho se situa no
contexto da rejeição de Jesus por parte dos chefes do povo. Ele encontra-se em
Jerusalém e seu tempo está cada vez menor. Aumenta a hostilidade daqueles que
rejeitam sua mensagem. A parábola dos dois filhos é simples e questionadora.
Antes de fazer sua comparação, Jesus
pede a opinião de seus ouvintes. Eles mesmos vão decidir. As traduções da
Bíblia, às vezes, divergem quanto ao filho que diz “sim” e ao que diz “não”. O
aumento não é cronológico. O que está em jogo é algo muito profundo e permanece
na vida de quem tem fé: fazer a vontade de Deus.
A dinâmica do texto leva à reflexão:
conta a parábola do filho que diz “não”, mas se arrepende e vai trabalhar na
vinha do Pai; e do outro filho que diz “sim, senhor” ao pai, mas não vai. Jesus
pergunta quem fez a vontade do pai. Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo
dizem que é o filho que disse “não”, mas cumpriu a ordem do pai.
Jesus completa dizendo que os
cobradores de impostos e as prostitutas vão preceder no Reino de Deus os chefes
que não acreditaram na pregação de João Batista e no caminho de justiça que ele
ensinou. O relato é sóbrio, não se dão as razões dos dois comportamentos; eles
simplesmente são descritos.
As palavras de nada valem: é preciso a
ação concreta, conforme o projeto de Deus. Fazendo o que Deus espera, quem é
pecador torna-se justo; não fazendo, quem se considera justo torna-se pecador.
Os dois filhos podem representar diversos personagens: o povo de Israel
histórico, a geração do momento, os seguidores de Jesus de todos os tempos e
nós que ouvimos hoje essa palavra.
Atualizando a Palavra
Somos daqueles que pensam que basta
dizer: “Senhor, Senhor” para entrar no reino de Deus? Daqueles que se acomodam
com formalidade e com títulos religiosos e não se esforçam na prática da
justiça? Seguir Jesus repercute em nossa prática. É ela que decide o destino
diante de Deus. O fazer comprova ou desmente o dizer. A pergunta de Jesus exige
discernimento: qual fez a vontade do Pai?
A intenção de Jesus não é converter
seus adversários, mas dizer porque são rejeitados. Ouvimos, neste contexto, uma
das frases mais duras de Jesus: “Os cobradores de impostos e as prostitutas vos
precedem no Reino de Deis”. Aqueles que pretendem ser perfeitos, bons
observadores da lei serão antecipados no Reino por aqueles que eles julgam e
condenam como os maiores violadores da lei, os pecadores públicos. A lei que
Jesus exige é colocar em prática a vontade do Pai que ama toda pessoa e, em
especial, os mais necessitados e desprezados.
Jesus nos ensina a reconhecer a
justiça das pessoas que não tem boa fama, mas praticam a justiça. Ensina-nos a
denunciar, para o bem deles e de todos que sofrem sua influência, as que têm
boa fama, os considerados santos, mas que não praticam a justiça, conforme o
projeto do Pai. Jesus é o Filho que diz “sim” e faz o que o Pai decidiu. Todas
as pessoas que acolhem e seguem concretamente Jesus cumprem a vontade do Pai.
Ezequiel nos fala em praticar o
direito e a justiça e a nos convertermos constantemente. Essa atitude julga a
nossa vida. Julgar que somos “justos” é uma cegueira pessoal que faz semear
dúvidas sobre a conduta e as crenças de quem é diferente de nós. Para fazermos
a vontade do Pai, a Carta aos Filipenses nos mostra o caminho assumido por
Jesus: “Esvaziou-se a si mesmo assumindo a condição de servo”.
Jesus deixou de lado todo privilegio.
O fato de sermos cristãos de exercemos um ministério na Igreja, não deve ser
motivo de elogios, de prepotência, de nos sentirmos mais e melhores que outras
pessoas. É motivo sim de solidariedade, de espírito de comunhão e serviço; de
um permanente processo de encarnação no mundo dos excluídos.
Ligando a Palavra com ação
litúrgica
Em cada celebração, colocamos em
nossos lábios muitos cantos e palavras, repetimos orações e fazemos tantos
gestos. Tudo isso terá sentido e agradará a Deus como oferta bendita se for
expressão de um coração orante e comprometido com a vontade do Pai.
A Palavra de Deus nos faz
mergulhar em nossa fragilidade humana e nos leva a experimentar a bondade
sempre fiel do Senhor que nos propõe mudança de vida e acredita em nossa
conversão. Ele, porém, não se contenta que apenas o invoquemos, repetidamente:
“Senhor, Senhor”.
Mais do que palavras, preces,
aclamações e cânticos, liturgia é ação. Eucaristia é ação de graças, é entrega
de nossa vida ao Pai, com Cristo, o Filho fiel que provou sua obediência na
cruz. Com ele passamos da morte para a vida e seu Espírito é derramado sobre
nós, infundindo-nos o mesmo sentimento e a prontidão para doarmos com ele a
vida, para que os outros vivam.
Essa ação deve ser testemunhada no
cotidiano de nossas lidas e lutas pela realização da vontade do Pai, o Reino de
justiça, amor e paz a ser estabelecido, o quanto antes, entre nós. A Palavra e
a confissão dos lábios tornam-se ação e gesto das mãos, com o testemunho,
“cuidando cada um não só do que é seu, mas também do que é dos outros”.
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