sábado, 7 de fevereiro de 2015

A LEPRA DO PECADO

6º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

1ª Leitura: Lv 13, 1-2. 44-46; 2ª Leitura: 1Cor 10,31-11,1; Evangelho: Mc 1,40-45


A liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum apresenta-nos um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, que convida todos os homens e todas as mulheres a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos.

A primeira leitura apresenta-nos a legislação que definia a forma de tratar com os leprosos. Impressiona como, a partir de uma imagem deturpada de Deus, os homens são capazes de inventar mecanismos de discriminação e de rejeição em nome de Deus.

O Evangelho diz-nos que, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do “Reino”. Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos seus projetos todos os mecanismos de opressão dos irmãos.

A segunda leitura convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na obediência incondicional aos projetos do Pai e fez da sua vida um dom de amor, ao serviço da libertação dos homens.

1ª Leitura – Lev 13, 1-2. 44-46
Leitura do Livro do Levítico 


1Senhor falou a Moisés e Aarão, dizendo: 2Quando alguém tiver na pele do seu corpo alguma inflamação, erupção ou mancha branca, com aparência do mal da lepra, será levado ao sacerdote Aarão, ou a um dos seus filhos sacerdotes, 44Se o homem estiver leproso é impuro, e como tal o sacerdote o deve declarar. 45 O homem atingido por este mal andará com vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!” 46Durante todo tempo em que estiver leproso será impuro; é sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento”. 

MENSAGEM

O nosso texto estabelece o procedimento a adotar, no caso de alguém contrair a “lepra”… A palavra “lepra” designa, aqui, um conjunto variado de afecções da pele, e não somente a doença que nós conhecemos, atualmente, com esse nome. No geral, utiliza-se a palavra “lepra” para designar vários tipos de enfermidade da pele, que deformam a aparência do homem.
Esse leque de afecções aqui catalogado sob o nome geral de “lepra” é visto como um estado insólito e anormal, uma manifestação de forças misteriosas, inquietantes e ameaçadoras que ameaçam a harmonia e o equilíbrio da existência do homem.
O “leproso” era, em consequência, segregado e afastado da convivência diária com as outras pessoas. Tal medida tinha, naturalmente, uma intenção higiênica e pretendia evitar o contágio. Significava, também, a dificuldade da comunidade em lidar com o insólito, o estranho, as forças misteriosas e inquietantes da doença (e, aqui, de uma doença particularmente repugnante). Mas, sobretudo, a exclusão dos “leprosos” da comunidade tinha razões religiosas… Para a mentalidade tradicional do povo bíblico, Deus distribuía as suas recompensas e os seus castigos de acordo com o comportamento do homem. A doença era sempre um castigo de Deus para os pecados e infidelidades do homem. Ora, uma doença tão assustadora e repugnante como a “lepra” era tida como um castigo terrível para um pecado especialmente grave. O “leproso” era considerado, portanto, um pecador, especialmente amaldiçoado por Deus, indigno de pertencer à comunidade do Povo de Deus e que em nenhum caso podia ser admitido às assembléias onde Israel celebrava o culto na presença do Deus santo.

Porque é que o “leproso” devia apresentar-se ao sacerdote? Quando alguém exteriorizava sinais de pecado e de indignidade, devia ser banido pelas autoridades competentes (os sacerdotes) da comunidade santa. O sacerdote não aplica remédios nem tem funções terapêuticas (embora a sua função devesse ajudar a controlar o mal e a impedir o contágio). A sua ação destina-se, sobretudo, a decidir da capacidade ou da incapacidade de alguém para integrar a comunidade do Povo de Deus e para ser admitido à presença do Deus santo. O que é aqui especialmente grave e assustador é como, em nome de Deus e da santidade do Povo de Deus, se criam mecanismos de rejeição, de exclusão, de marginalização.

Salmo 31 (32)
Sois, Senhor, * para mim, alegria e refúgio (bis) 

Feliz o homem que foi perdoado *
e cuja falta já foi encoberta. * 
Feliz o homem a quem o Senhor *
não olha mais como sendo culpado! * 
e em cuja alma não há falsidade! 
Eu confessei, afinal, meu pecado * 
e minha falta vos fiz conhecer.* 
Disse: “Eu irei confessar meu pecado!” * 
E perdoastes, Senhor, minha falta.
Regozijai-vos, ó justos, em Deus * 
e no Senhor, exultai de alegria! * 
Corações retos, cantai jubilosos, * 

2ª Leitura - 1 Cor 10, 31-11,1
Leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios. 

Irmãos: 31Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus. 32Não escandalizeis ninguém, nem judeus, nem gregos, nem a igreja de Deus. 33Fazei como eu, que procuro agradar a todos, em tudo, não buscando o que é vantajoso para mim mesmo, mas o que é vantajoso para todos, a fim de que sejam salvos. 1 Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo.

MENSAGEM

Na questão do comer as carnes dos animais imolados nos templos pagãos, como em todas as outras questões, há um duplo critério que os cristãos devem ter sempre presente: em qualquer atividade, mesmo nas mais neutras, os crentes devem ter em conta a “glória de Deus”; e devem ter em conta, também, o bem dos irmãos. O cristão é livre em tudo aquilo que não atenta contra a sua fé e contra os valores do Evangelho; mas pode, por vezes, ser convidado a prescindir dos seus direitos e da sua liberdade em função de um bem maior e que é o amor dos irmãos. A lei do amor deve sobrepor-se a tudo o resto, inclusive aos “direitos” de cada um; e o amor pode exigir que não sejamos, em nenhum caso, um obstáculo nem para a glória de Deus, nem para a salvação dos irmãos.

De resto, os cristãos de Corinto têm o exemplo do próprio Paulo. Ele não procura o seu próprio interesse, a realização dos seus projetos pessoais ou a salvaguarda dos seus direitos, mas o bem de todos os irmãos. Nisto, Paulo imita Cristo, que não procurou cumprir a sua vontade, mas a vontade do Pai e que morreu na cruz por amor aos homens, a fim de lhes apontar um caminho de salvação. Cristo renunciou aos seus direitos e prerrogativas divinas por amor e para que se concretizasse o projeto de salvação que Deus tinha para os homens. Para Paulo, o exemplo de Cristo é a fonte inspiradora que tem condicionado as suas atitudes e comportamentos para com os irmãos… E os crentes de Corinto (e das comunidades cristãs de todas as épocas e lugares) são convidados a viver do mesmo jeito.

ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO (Lc 7,16) 
Aleluia, Aleluia, Aleluia. 
Um grande profeta surgiu, surgiu e entre nós se mostrou; * é Deus que seu povo visita, seu povo meu Deus visitou.

EVANGELHO (Mc 1,40-45) 

Naquele tempo, 40 um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: “Se queres tens o poder de curar-me”. 41Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: “Eu quero: fica curado!” 42No mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado. 43Então Jesus o mandou logo embora, 44falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém! Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles!” 45Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato. Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade: ficava fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo.

MENSAGEM

Um leproso – isto é, um homem doente, marginalizado da comunidade santa do Povo de Deus, considerado pecador e maldito – vem “ter com Jesus”. Provavelmente tinham chegado até ele ecos do anúncio do “Reino” e a pregação de Jesus tinha-lhe aberto um horizonte de esperança. O desejo de sair da situação de miséria e de marginalidade em que estava mergulhado vence o medo de infringir a Lei e ele aproxima-se de Jesus, sem respeitar as distâncias que um leproso devia manter das pessoas sãs. O pormenor dá conta do seu desespero e mostra a sua decisão em mudar a sua triste situação. Uma vez diante de Jesus, o leproso é humilde, mas insistente (“prostrou-se de joelhos e suplicou-lhe” – vers. 40), pois o encontro com Jesus é uma oportunidade de libertação que ele não pode desperdiçar. O que ele pretende de Jesus não é apenas ser curado, mas ser “purificado” dessa enfermidade que o torna impuro e indigno de pertencer à comunidade de Deus e à comunidade dos homens («se quiseres podes “purificar-me”» – vers. 40; o verbo grego “katharidzô” aqui utilizado não deve traduzir-se como “curar”, mas sim como “purificar” ou “limpar”). Ele confia no poder de Jesus, sabe que só Jesus pode ajudá-lo a superar a sua triste situação de miséria, de isolamento e de indignidade.
A reação de Jesus é estranha, pelo menos de acordo com os padrões judaicos. Em lugar de se afastar do leproso e de o acusar de infringir a Lei, Jesus olha-o “compadecido”, estende a mão e toca-lhe (vers. 41).

O verbo “compadecer-se” é aplicado, na literatura neo-testamentária, só a Deus e a Jesus. Habitualmente, é usado em contextos onde se refere a ternura de Deus pelos homens… Jesus é apresentado, assim, como o Deus com um coração cheio de amor pelos seus filhos, que Se “compadece” face à miséria e sofrimento dos homens.
Depois, o amor de Deus tornado presente em Jesus vai manifestar-se num gesto concreto para com o leproso… Jesus estende a mão e toca-o. É, evidentemente, um gesto “humano”, que manifesta a bondade e a solidariedade de Jesus para com o homem; mas o gesto de estender a mão tem um profundo significado teológico, pois é o gesto que acompanha, na história do Êxodo, as ações libertadoras de Deus em favor do seu Povo (cf. Ex 3,20;6,8;8,1;9,22;10,12;14,16.21.26-27; etc.). O amor de Deus manifesta-se como gesto libertador, que salva o homem leproso da escravidão em que a doença o havia lançado.

Por outro lado, ao tocar o leproso, Jesus está a infringir a Lei. Dessa forma, Ele denuncia uma Lei que criava marginalização e exclusão. Jesus, com a autoridade que Lhe vem de Deus, mostra que a marginalização imposta pela Lei não expressa a vontade de Deus. O gesto de tocar o leproso mostra que a distinção entre puro e impuro consagrada pela Lei não vem de Deus e não transmite a lógica de Deus; mostra que Deus não discrimina ninguém, que Ele quer amar e oferecer a liberdade a todos os seus filhos e que a todos Ele convida a integrar a família do “Reino”, a nova humanidade.

A resposta verbal de Jesus (“quero: fica limpo” – vers. 41) não acrescenta mais nada; apenas confirma o seu gesto. Mostra, por palavras, que, do ponto de vista de Deus, o leproso não é um marginal, um pecador condenado, um homem indigno, mas um filho amado a quem Deus quer oferecer a salvação e a vida plena.

A purificação do leproso significa, em primeiro lugar, que o “Reino de Deus” chegou ao meio dos homens e anuncia a irrupção desse mundo novo do qual Deus quer banir o sofrimento, a marginalização, a exclusão.

A purificação do leproso significa, também, a desmontagem da teologia oficial que considerava o leproso um maldito. Não é verdade – parece dizer o gesto de Jesus – que o leproso seja um impuro, um abandonado pela misericórdia de Deus, um prisioneiro do pecado, abandonado por Deus nas mãos das forças demoníacas. A misericórdia, a bondade, a ternura de Deus derramam-se sobre o leproso no gesto salvador de Jesus e dizem-lhe: “Deus ama-te e quer salvar-te”.

A purificação do leproso significa, finalmente, que o Reino de Deus não pactua com racismos de qualquer espécie: não há bons e maus, doentes e sãos, filhos e enjeitados, incluídos e excluídos; há apenas pessoas com dignidade e que não devem, em caso algum, ser privados dos seus direitos mais elementares, muito menos em nome de Deus.
Consumada a purificação do leproso, Jesus recomenda-lhe veementemente que não diga nada a ninguém (vers. 44). Esta recomendação de Jesus aparece várias vezes no Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,34;5,43;7,36;7,36; etc.). Provavelmente, é um dado histórico, que resulta do fato de Jesus não querer gerar equívocos ou ser aceite pelas razões erradas. De acordo com Mt 11,5, a cura dos leprosos era uma obra do Messias; assim, o gesto de Jesus define-O como o Messias esperado. No entanto, numa Palestina em plena febre messiânica, Jesus pretende evitar um título que tem algo de ambíguo, por estar ligado a perspectivas nacionalistas e a sonhos de luta política contra o ocupante romano. Jesus não quer deitar mais lenha para a fogueira da esperança messiânica, pois tem consciência de que o seu messianismo não passa por um trono político (como sonhavam as multidões), mas pela cruz. Jesus é o Messias, mas o Messias-servo, que veio ao encontro dos homens para lhes transmitir o projeto salvador do Pai e para os libertar das cadeias da opressão. O seu caminho passa pelo sofrimento e pela morte. O seu trono é a cruz, expressão máxima de uma vida feita amor e entrega.

Ao leproso purificado, Jesus diz para ir mostrar-se aos sacerdotes (vers. 44). Segundo a Lei, o leproso só podia ser reintegrado na comunidade religiosa depois de a sua cura ter sido homologada pelo sacerdote em funções no Templo. No entanto, Jesus acrescenta: “para lhes servir de testemunho”. Dado que a cura de um leproso só podia ser operada por Deus e era, por isso, um sinal messiânico, o fato devia servir aos líderes do Povo para concluírem que o Messias tinha chegado e que o “Reino de Deus” estava já presente no meio do mundo. O leproso purificado devia, portanto, ser um “testemunho” da presença de Deus no meio do seu Povo e um sinal de que os novos tempos tinham chegado. Apesar das evidências, os líderes judaicos estavam demasiado entrincheirados nas suas certezas, preconceitos e privilégios e recusaram-se sempre a acolher a novidade de Deus, a novidade do Reino.

O texto termina com a indicação de que o leproso purificado “começou a apregoar e a divulgar o que acontecera”, apesar do silêncio que Jesus lhe impusera. Marcos quer, provavelmente, sugerir que quem experimenta o poder integrador e salvador de Jesus converte-se necessariamente em profeta e em testemunha do amor e da bondade de Deus.

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